Transfobia é crime e violência contra Lina no "BBB22" é inadmissível
Em mais um episódio doloroso para Lina no "BBB22", Lucas se referiu a ela no pronome masculino durante a festa do líder e exigiu que a sister o perdoasse imediatamente. Lina explicou, com paciência mas visivelmente magoada, que a intenção não importa quando não se trata de um erro, e sim de um episódio de transfobia. A cantora tem seu pronome tatuado no rosto, e o apresentador Tadeu Schmidt já pediu para que ela reforçasse a importância de ser chamada no feminino.
A situação chamou a atenção pela recusa de Lucas de assumir sua transfobia, e a insistência inclemente do brother de ser perdoado imediatamente. "Eu preciso ficar sozinha", pediu Lina. "Poxa, eu entendo que você tem o direito de ficar chateada, e eu também", rebateu Lucas. "Esse constrangimento agora não é meu, é seu", disparou Lina. Novamente, Lucas não aceitou: "Desculpa, desculpa, por favor, cara". "Posso até te desculpar depois, mas desse constrangimento agora eu não vou te aliviar", encerrou Lina.
A sister continuou pedindo para ficar sozinha, e Lucas não parava de repetir que sua fala transfóbica "não foi de propósito". "Pois você tem que pensar antes de falar. Fechou?", disparou Lina, saindo da festa e indo para o quarto.
A recusa de Lucas de assumir a transfobia e de entender que perdão não é algo imediato resume a situação delicada de pessoas trans e de identidades marginalizadas diante da branquitude e da estrutura de poder heteronormativa. Transfobia é crime, e mesmo Lina tendo sido diretamente afetada pela fala de Lucas, é ela que na visão do brother tem obrigação de aliviar seu erro. Até mesmo no sofrimento, pessoas marginalizadas são obrigadas a confortar seus opressores.
A situação piorou ainda mais para Lina quando Eslovênia tentou convencer Lina a perdoar o brother de forma imediata. "Você está tentando aliviar a dor dele", afirmou Lina, sem aceitar a fala da Miss. Em seguida, Eslovênia tentou tapar a boca da cantora, que se revoltou: "Não tapa a minha boca. Cada vez que vocês fazem isso, é como se negassem minha existência".
Já estamos com quase dois meses de confinamento. Até quando será aceitável desrespeitar o pronome de uma pessoa trans em horário nobre?
Histórico de transfobia no "BBB22"
Em menos de 24 horas da chegada de Lina no "BBB 22", a cantora sofreu com ataques por parte de Rodrigo e Eslovênia.
A primeira situação aconteceu durante o almoço. Linn pediu ajuda para pegar a pimenta e Eslovênia falou para outro brother entregar para "ele". Rapidamente, a atriz, que tem o pronome feminino tatuado na testa, corrigiu a colega de confinamento: "É ela", afirmou, com paciência. Sem graça, Eslovênia repercutiu o caso com Lucas assim que deixou a mesa. Vale lembrar que Eslovênia não se desculpou, e repetiu o ato mais uma vez sem parecer se importar com os sentimentos da colega de confinamento.
Rodrigo também teve uma fala transfóbica. Após Eliezer contar uma de suas experiências sexuais, o gerente comercial fez o seguinte comentário: "Eli, estou tentando dormir, mas tô lembrando do pinto do 'traveco' que você ficou com medo". Vinícius estava no quarto e rapidamente o corrigiu: "Traveco, não", disse o jovem. "Isso não foi legal", completou Maria.
Mesmo com o pronome "Ela" tatuado literalmente em sua testa, Lina simplesmente não consegue fazer com que os brothers não reproduzam transfobia e violência contra ela. A diferença da experiência de uma pessoa trans para uma pessoa cisgênero dentro do programa é clara: nas redes sociais de brothers cis (e brancos, vale lembrar) como Pedro Scooby, Arthur Aguiar, Eslovênia e Laís, por exemplo, os administradores dos perfis postam sobre jogo, falas relevantes, estratégias e momentos divertidos dos confinados.
Nas redes sociais de Lina, as administradoras precisam a todo momento responder ataques de transfobia, racismo e explicar de forma didática questões de sexualidade, gênero e opressão que a branquitude tem obrigação de aprender sem trazer mais um fardo para pessoas fora do padrão normativo. O perfil de Lucas condenou a atitude do brother contra Lina, e afirmou que a privacidade da cantora na hora do sofrimento merece ser respeitada.
Lina não sofre apenas de transfobia. Preta, a sister também é atravessada pela opressão do racismo dentro da casa, e suas tranças já foram alvo de um comentário agressivo de Laís. Lina entrou na casa de tranças, e resolveu tirá-las para usar o cabelo naturalmente afro. Ao mostrar o novo visual para os brothers, a sister passou por um momento tenso de racismo.
"Olha que linda, prefiro você assim do que com aquela por** de trança", disparou Laís, abraçando a colega. Lina permaneceu em silêncio e apenas agradeceu, mas o comentário revoltou o público nas redes sociais, especialmente por Laís já ter tido outros comentários racistas dentro da casa. Ao se referir a Douglas Silva, único homem preto retinto da casa, Laís comentou que gostaria de "ter socado um prego embaixo de cada pé" do brother.
Transfobia é crime
No Brasil, a transfobia é criminalizada, mas a punição dos criminosos ainda é dificultada pelo fato da homofobia não ter uma legislação própria. Em 2019, Supremo Tribunal Federal decidiu que declarações homofóbicas podem ser enquadradas no crime de racismo; a pena é de 1 a 3 anos, podendo chegar a 5 em casos mais graves. Com a decisão do STF, o Brasil se tornou o 43º país a criminalizar a homofobia, de acordo com o relatório "Homofobia Patrocinada pelo Estado", elaborado pela Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais.
A falta de uma legislação específica que atenda os crimes de homofobia e transfobia dificulta a denúncia das vítimas e a punição dos opressores, e os dados no Brasil comprovam que a situação é urgente.
O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBTQIA+, especialmente mulheres pessoas trans, de acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Em 2020, foram 175 pessoas trans assassinadas, sem contar o número de crimes não declarados.
De forma contraditória, é o lugar onde mais se consome pornografia deste grupo. Lina tem razão em temer a reação da sociedade: enquanto os demais brothers da casa, todos cisgêneros, se preocupam com seus sonhos a longo prazo, uma travesti como Lina tem expectativa de menos de 35 anos no Brasil (um homem cis e branco como Lucas, por exemplo, tem expectativa média de 76 anos de vida). De acordo com dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% da população trans está em situação de prostituição.
Precisamos cobrar uma postura pública
Embora a direção do "BBB" não interfira nos conflitos entre os brothers para não influenciar o jogo de forma flagrante, a transfobia insistente e impune dos confinados contra Lina precisa parar imediatamente. Em 2021, Tiago Leifert fez um discurso ao vivo declarando que a atitude de Rodolffo, que havia comparado o afro de João Luiz com uma peruca de homem das cavernas, foi um ato de racismo e que precisava ser repensada.
Tadeu Schmidt já deu espaço para Lina explicar a importância de seus pronomes, mas talvez tenha chegado o momento de uma atitude mais drástica. Não podemos continuar consumindo a dor de pessoas trans e pretas em um programa de entretenimento.