TikTok é aliado ou vilão da música? Artistas e produtores analisam plataforma de hits

Jovem Dionísio, Kevin O Chris e Henrique e Diego. Foto: Divulgação
Jovem Dionísio, Kevin O Chris e Henrique e Diego. Fotos: Divulgação

Resumo da notícia:

  • O impacto do TikTok na indústria da música acabou gerando cobranças por parte de gravadoras

  • Em conversa com o Yahoo, artistas e produtores analisaram o poder e a pressão da plataforma

  • Uns criticam a produção voltada para o aplicativo, outros defendem o alcance da rede social

Se, por um lado, o TikTok ganhou espaço na indústria da música como um veiculador de alcance surpreendente, por outro, a plataforma de vídeos tem sido encarada por artistas como uma pressão para viralizar e fabricar hits.

Em meio a algumas críticas de músicos internacionais, Anitta usou suas redes sociais para desabafar sobre a cobrança de lançar um hit que bombe no aplicativo. “A gravadora hoje em dia se liga muito no TikTok, o que viraliza, e se não tem um sucesso logo de cara é isso. Eles dão tchau e f*da-se. É que nem ‘Envolver’, eu só gravei por pura insistência minha, e só foi viralizar depois”, afirmou.

Ela ainda revelou que acaba tirando dinheiro do próprio bolso para investir em produções, já que não recebe incentivo caso a ideia não seja comercial o suficiente para as redes sociais. Mas qual a opinião de mais artistas e produtores brasileiros sobre isso?

Em conversa com o Yahoo, a banda Jovem Dionísio, que viralizou com "Acorda, Pedrinho", o funkeiro Kevin O Chris, dono do hit "Tipo Gin", a dupla Henrique e Diego, que busca espaço na plataforma, a empresária musical Kamilla Fialho e produtor musical Clemente Magalhães comentaram sobre o assunto. Confira:

JOVEM DIONÍSIO

Banda Jovem Dionísio, de
Banda Jovem Dionísio, de "Acorda, Pedrinho" Foto: Reprodução/Globo

Como uma banda independente, a Jovem Dionísio revela não sentir muita cobrança de nenhum lado por não ter um diretor ou head no comando. "Esse foi o motivo da gente optar pelo caminho independente, não ter ninguém nos colocando limitações. Nos colocando barreiras. Nos falando: 'Vocês devem fazer música para o TikTok’", declarou o baixista Gustavo Karam. "Acho que você criar coisas que limitam o artista na hora de criar uma música já é segurar muito do que ele tem para apresentar", completou.

Para os donos de "Acorda, Pedrinho", que viralizou no aplicativo e atingiu o topo do Spotify Brasil, a música tem que ser orgânica e o TikTok é muito mais uma ferramenta para que as pessoas se expressem. "É como um outdoor, como uma propaganda, como o Instagram, é mais uma ferramenta", refletiu o guitarrista Rafael Mendes.

Ninguém sabe até onde o TikTok vai durar, só que as músicas vão durar para sempre"Bernardo Pasquali (vocalista Jovem Dionísio)

Segundo o vocalista Bernardo Pasquali, as músicas estarão aí por milhões de anos e criá-las pensando no TikTok é como criar uma letra pensando no Instagram. "Daqui a pouco você vai excluir, ninguém lembra mais, mas a música vai ficar", explicou.

"É uma obra. É uma criação. É um filho da banda. Vão ficando para sempre, fica no nosso histórico. Criar uma música pensando em trend, em viralização, essas coisas que são bem atuais, a gente não sabe até onde vai durar. Então, acho meio perigoso", concluiu o cantor.

KEVIN O CHRIS

Kevin O Chris no
Kevin O Chris no "Faustão na Band". Foto: Reprodução/Band

Dono do hit "Tipo Gin", uma das músicas brasileiras que mais viralizou no aplicativo, Kevin O Chris acredita que a visibilidade do TikTok mudou sua carreira. "É onde as paradas viralizam. A maioria dos hits vem de lá. 'Tipo Gin' é um som que eu acreditava demais e já tinha falado pra minha equipe que era hit. O trabalho em cima do TikTok só fez ser mais rápido", afirmou.

No entanto, o funkeiro rejeita a ideia de criar música pensando exclusivamente na plataforma. "Produzo música pensando no público, no que quero levar pra eles. Não sento no estúdio pensando 'vou produzir um hit pro TikTok'. Nunca foi assim que fiz música e nem vai ser. (...) A arte não pode ser limitada, o engajamento e o viral ajudam a gente, mas não podem ser o único foco", completou.

Ele ainda confessou como foram os bastidores da produção de seu maior hit no aplicativo ao dizer que se inspirou em Deus na criação de "Tipo Gin". "Escrevi em um momento difícil que estava passando, estava na bad e o refrão "ela tá movimentando" representa uma pessoa que sempre se movimenta para me manter em pé. Não estava pensando no TikTok quando lancei e tudo aconteceu da forma mais surreal. Hoje é a música que mais deu certo lá. O propósito da música precisa ser a música, o resto entra pra somar", concluiu.

KAMILLA FIALHO (CEO da K2L Empresariamento Artístico)

Kamilla Fialho no podcast
Kamilla Fialho no podcast "À Deriva". Foto: Reprodução/Youtube

Com mais de 1 bilhão de contas ativas e como o app mais baixado de 2021, o TikTok já tem dados considerados relevantes pela empresária Kamilla Fialho para ser inserido nas estratégias dos artistas. "Ainda tem mais um ponto positivo: é possível monetizar com as músicas. Cada pessoa que vê o vídeo em que o áudio da sua música aparece, conta como direito fonomecânico e, desde o final de 2021, direito autoral. Ou seja, todo mundo ganha: gravadoras, artistas e compositores", explicou a ex-empresária de Anitta.

Sobre a pressão para se encaixar no perfil da plataforma, Kamilla analisa a visão sobre o público presente no aplicativo. "Se a gravadora, que investe rios de dinheiro para sua carreira acontecer, percebe que seu público está lá, é natural que o app faça parte da estratégia", refletiu.

Antigamente, o artista passava meses em um ônibus apertado rodando rádios e divulgando suas músicas. Hoje, só estão pedindo para ele fazer um vídeo de 30 segundos com o celular"Kamilla Fialho

No entanto, a empresária entende que lançamentos que não viralizam na plataforma podem render de outra maneira que não seja insistindo nesse formato. "Por exemplo, eu não sei se os ouvintes da Adele estão no TikTok, ou não. Não estudei nenhum dado para chegar nessa conclusão, por isso jamais poderia afirmar. Mas ela diz que não estão, a gravadora que tem um time gigante para estudar esses números diz que sim. Vamos acompanhar os próximos capítulos. Caso eles não estejam ali mesmo, não faz sentido ela investir tanto nessa plataforma", afirmou.

Questionada sobre as críticas de Anitta à pressão da gravadora, Kamilla concordou plenamente com a ex-cliente. "Não existe liberar verba só depois de viralizar. Basear estratégias, investimentos e o trabalho de um bando de gente em um fator tão randômico quanto “viralizar”, para mim, é loucura. A gente faz isso há anos, é nossa carreira, a gente estuda muito para, do nada, virar refém de tendência?", declarou.

"Óbvio que é bacana ver a galera se apropriando das músicas, ressignificando e aparecendo com os vídeos mais engraçados e diferentes do mundo! Mas a gente, da indústria, que deveria criar, pelo menos algumas, dessas tendências", completou.

HENRIQUE E DIEGO

Henrique e Diego no
Henrique e Diego no "Programa do Raul Gil". Foto: Reprodução/Band

Já Henrique e Diego, com mais de 10 anos de carreira e alguns hits das antigas na conta, estão com a intenção de se inserir no perfil da plataforma apesar de não se enquadrarem mais nas danças. “É uma ferramenta incrível, que entrega para muita gente. Quando as pessoas decoram a coreografia, apresentam para a turma, eles vão aprendendo muito rápido", opinou Henrique.

Ao comentar sobre o potencial da nova música, intitulada "Olhinho", para o público do TikTok, Henrique não nega que a dupla está disposta a conquistar os internautas das dancinhas. "Acho que a gente vai sim surfar nisso e tentar aproveitar esse momento para quem sabe a galera aprenda a nossa música através da dança”, explicou.

Embora acreditem na ideia de se reinventar para a adaptação aos novos públicos e meios de divulgação, os músicos também defendem a criação orgânica, que foque na produção musical. “Tudo o que aconteceu com a gente veio meio que natural, não houve uma cobrança de gravar um hit, uma música que caiba no TikTok. Esse tipo de cobrança acaba assustando o artista e nem sempre dá resultado. Tudo o que acontece de forma natural se destaca muito mais fácil. Fica mais atraente", disse Diego.

Henrique ainda ressaltou que o artista vai onde o povo está ao parafrasear Chitãozinho e Xororó. "Se o público está dentro das plataformas, a gente vai buscar estar sempre ali, tendo esse contato com os fãs, independente de qual plataforma", concluiu.

CLEMENTE MAGALHÃES (Produtor musical e consultor de marketing digital)

Clemente Magalhães no
Clemente Magalhães no "Corredor 5". Foto: Reprodução/Youtube

Para o produtor Clemente Magalhães, dono do podcast "Corredor 5", ser um artista independente é a solução para quem não quer a pressão de viralizar. “Se você quer liberdade do que fazer e como fazer, seja um artista independente, não tenha sócios, tome conta da sua carreira de acordo com as suas expectativas e está tudo certo”, afirmou.

“O que eu acho curioso é a gente assistir a artistas globais ou artistas com ambições globais, como a Anitta, que é sócia de uma multinacional que está colocando um dinheiro absurdo na carreira dela, não quererem ter a pressão de ter que viralizar no TikTok”, completou ao comentar sobre as críticas da brasileira.

Clemente considera os usuários do TikTok como co-criadores das músicas e acredita que os artistas têm que se inserir no universo da plataforma como parâmetro do público. “É quase um teste que é feito ali para você saber se vai investir nas outras mídias ou não”, explicou.

Ele não encara a pressão para se adequar ao aplicativo como um problema, já que enxerga a cultura pop acontecendo no TikTok. "Os players envolvidos em uma artista como a Anitta ou Olivia Rodrigo estão olhando as métricas no TikTok como uma referência para saber qual é o próximo passo. Para saber se aquilo vai ter fôlego, o quanto vai se gastar em um videoclipe, em marketing. E o bom hoje da internet é, justamente, poder fazer esses testes, antes de entrar com tudo, de pisar o pé no acelerador”, refletiu.

Como se pode ser um grande artista hoje sem estar no TikTok? Não sei. Poucos vão conseguir"Clemente Magalhães

Por fim, Clemente compara o sucesso de um artista nas redes sociais com a mídia televisiva de décadas atrás. "Da mesma forma que era muito difícil, há 20 anos, ser grande sem ir em todos os programas de TV na hora que fosse lançar alguma coisa. Só mudou o lugar e o que tem que fazer para ter relevância, para ser visto, gerar valor percebido e vender show", analisou.

E o TikTok, o que faz?

O TikTok afirma que tem uma equipe dedicada a "desenvolver e dar suporte a artistas, talentos e criadores de música". Além disso, a plataforma se destaca de outras ao incentivar o uso de canções por seus usuários.

Ao falar com o Yahoo em abril, a Head de Conteúdo Musical do TikTok Brasil, Roberta Guimarães, ressaltou que a plataforma disponibiliza aos usuários uma biblioteca de músicas que refletem a diversidade de gêneros presente no país. "Música é uma parte fundamental do DNA criativo do TikTok, muito embora o foco do aplicativo sejam os vídeos, que podem ser criados ou não a partir de uma canção. Ela ajuda a transmitir emoções, seu mood do dia etc. A forma como música e imagem se combinam e formam momentos únicos é uma realidade de grande parte do conteúdo produzido e consumido no app", ressaltou Roberta.

A diretora acrescenta ainda que, a fim de potencializar esse caráter musical, o TikTok promove ações como o programa "Generation NXT". A iniciativa seleciona artistas que estão se destacando para apoiar com workshops sobre movimentos e tendências, "incentivando a criatividade e a autenticidade".

Ouça o Pod Assistir, podcast de filmes e séries do Yahoo: