Suzana Pires diz que BBB masculino reflete mulher esquecida na sociedade
SĂO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Seis homens e nenhuma mulher. Foi assim que começou a reta final do Big Brother Brasil 22 (Globo). Uma formação inĂ©dita em mais de 20 anos de programa, mas que para a atriz, escritora e empreendedora Suzana Pires, 45, mostra muito mais do que uma dinĂąmica de jogo. Para ela, Ă© um reflexo da sociedade.
"Isso mostra o momento em que vivemos, principalmente, pĂłs-pandemia, quando mulheres foram tiradas de seus lugares, demitidas por terem de cuidar de carreira e filhos e nĂŁo contarem com a paciĂȘncia de seus chefes, cujas esposas resolvem tudo. Ă muito sintomĂĄtico, e o BBB tem refletido a sociedade", diz.
Antes de chegar a essa formação de seis homens e nenhuma mulher, o reality jĂĄ tinha mostrado esse machismo com a eliminação da cantora Linn da Quebrada, supostamente por ter indicado o atleta Paulo AndrĂ© ao ParedĂŁo apĂłs ele abandonar uma prova em benefĂcio dela, recorda a artista.
"Uma mulher trans com essa intensidade e representatividade vai arrasar aqui fora. Seja no jogo ou na vida, a condenação de uma mulher é muito maior, é feita a ferro e fogo e com faca muito mais afiada do que com homens. Como se ela não pudesse ter votado nele. Por que não pode?", indaga.
Esse movimento tĂłxico ainda longe de arrefecer Ă© um dos assuntos abordados no novo livro de Suzana Pires, "Dona de Si", lançado no Ășltimo mĂȘs e que leva o nome de seu instituto voltado Ă s mulheres. AlĂ©m do machismo, aborda sobrecarga, opressĂŁo e dificuldades enfrentadas pelas mulheres no trabalho e na vida.
O projeto começou em formato de coluna nas revistas Marie Claire, Vogue e Forbes, mas com o sucesso se tornou instituto e depois uma missão de vida para Suzana. No começo, ela contava suas próprias histórias. Na coluna, em palestras, até decidir tomar as rédeas e agir, criando o instituto e depois o livro.
"Esses mĂ©todos do 'Dona de Si', eu desenvolvi com base em pesquisas. Hoje nĂŁo estou sozinha. Essas mil mulheres [ajudadas pelo instituto] impactam outras milhares e uma vai mudando a vida da outra", afirma. JĂĄ o livro, que detalha o mĂ©todo de aceleração para o desenvolvimento pessoal e profissional feminino, a autora divide em trĂȘs partes principais. Para nĂŁo se tornar tĂ©cnico, ela mescla com histĂłrias dela mesma.
"A primeira parte é sobre saber o que quer e fortalecer o lado emocional para lidar com a opressão, a sobrecarga e a solidão. Depois vem a parte dois que é um passo a passo para desabrochar sua força. Cada mulher tem um talento para colocar em pråtica. Essa parte aborda também como neutralizar as opressÔes e como se levantar de rasteiras", explica Pires.
A terceira parte da obra se refere a como assumir um compromisso com vocĂȘ mesma. "Precisamos fazer a mulher entender quem Ă© ela, as fragilidades e os desafios do mundo para seguir adiante."
A prĂłpria Suzana passou por esse processo, quando ainda tinha 14 anos, na Ă©poca ainda sob influĂȘncia de seus pais. Os primeiros presentes que ajudaram a moldar esse seu lado foram os livros de Simone de Beauvoir (1908-1986), depois veio a faculdade de filosofia. Mas ainda assim ela afirma ter sofrido tudo que tenta combater com seus livros,
"Comecei com um entendimento do que eu queria fazer comigo primeiro. E fui construindo uma carreira que foi tomando um caminho Ășnico. Mas para toda mulher, quando existe um lugar pioneiro hĂĄ tambĂ©m um preço a se pagar. Perguntam quem Ă©, como chegou onde chegou e se dĂĄ conta mesmo. E nisso se iniciam as opressĂ”es que fazem vocĂȘ duvidar de si", reflete.
Nos estudos de Suzana ao longo do percurso ela percebeu que hĂĄ duas grandes dificuldades que as mulheres enfrentam no começo da vida profissional. A primeira ela chama de degrau quebrado, que representa uma pessoa subindo uma escada e ascendendo na vida, mas que em determinado momento nĂŁo consegue dar o prĂłximo passo por nĂŁo se adequar ao que um grupo masculino e mais poderoso pensa. "Assim precisamos sempre nos provar trĂȘs vezes mais", diz.
A segunda dificuldade Ă© nomeada por ela no livro como quebra do teto de cristal. "Ă quando vocĂȘ estĂĄ entre o quinto e o sĂ©timo ano profissional e se torna lĂder de mais pessoas, tem ganhos maiores. Existe um teto translĂșcido na nossa cabeça que evidencia esse lugar de poder, mas que nĂŁo conseguimos tocar. Quando estamos preparadas, o teto se quebra e percebemos que chegamos a um lugar mais hostil".
O assédio, tanto sexual quanto moral, também é abordado pela autora na obra. A própria diz jå ter sofrido com isso ao longo de sua carreira, mas que logo cedo desenvolveu uma espécie de casca e de "olho treinado contra o assédio". Ela alerta todas as mulheres a coletarem provas caso algo aconteça para que não sejam derrotadas na hora da "palavra contra palavra".
"Eu sofri assĂ©dios, sim. Tive consequĂȘncias emocionais por isso, mas eu tinha como fazer terapia, lembrava dos livros dados pela minha mĂŁe, tinha quem olhasse por mim. Estive sempre mais protegida para isso, tanto que no começo de minha carreira, aos 17 anos, nos anos 1990, na TV Manchete, vi uma situação diferente. Nem falĂĄvamos desses assuntos ainda. Mas nĂŁo gostei do ambiente e fui ao teatro com a ideia de que sĂł voltaria para a TV se eu garantisse mais força para agir", relembra.
E foi justamente o que ela fez. Com mais idade e sapiĂȘncia sobre esse tema e sobre o que acontecia nos bastidores de um ambiente profissional "independentemente de ser televisĂŁo ou qualquer empresa", Suzana voltou Ă TV, Ă quela altura na Globo, com uma cabeça diferente.
"O assédio sexual nos meus 20 e poucos anos, nesse meu retorno à TV, jå não aconteceu mais, mas o moral, sim. Então vi que temos de rever as relaçÔes humanas de poder. Hoje em dia eu jå bato o olho no ambiente e vejo se tem algo errado. E as pessoas jå sabem que sou assim", reforça a artista, que desde 31 de março não faz mais parte do casting da TV Globo.
Desde o dia 1Âș de abril grava cenas como uma vilĂŁ de uma sĂ©rie para o Disney+ chamada "Magia de Aruna". "Logo na primeira reuniĂŁo o tema foi sobre o respeito mĂștuo entre todos nĂłs e as interaçÔes sociais. As lĂĄgrimas rolaram forte. Sou muito grata por poder sair de um empego e literalmente no dia seguinte começar em um outro. Tem sido muito emocionante", diz.
"A pandemia deu uma desestruturada, nĂłs mulheres fomos as mais demitidas, nossos negĂłcios foram os que mais quebraram. Agora Ă© hora de dar nossa energia mĂĄxima. Nossa cultura Ă© pesada, misĂłgina, de falta de paciĂȘncia com a mulher. Mas nĂŁo vamos desistir de fazer barulho", conclui.