Seita de machos repele a 'vaginosfera' em filme com Jesse Eisenberg em Berlim
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - O crepĂșsculo do macho, tĂtulo de um livro de Fernando Gabeira lĂĄ em 1980, estĂĄ mais em voga do que nunca. Juntos, o movimento MeToo e a onda de correção polĂtica vĂȘm escanteando o papel tradicional do homem de uma forma jamais vista nos Ășltimos sĂ©culos.
E o que os homens fazem com isso? Para os personagens do diretor John Trengove, eles formam uma seita misĂłgina, autocentrada e de profundo orgulho macho. Um grupo que cheira a homens suados na academia e que simplesmente nĂŁo se relaciona mais com mulheres.
Eis o conceito do machĂłdromo, ou, em inglĂȘs, "Manodrome", filme com Jesse Eisenberg e Adrien Brody que teve estreia mundial no festival de Berlim na noite deste sĂĄbado.
Eisenberg Ă© Ralphie, um motorista de aplicativo, com um filho a ponto de nascer, que se afunda numa depressĂŁo causado pela vida monĂłtona e pelas dificuldades financeiras.
Ele dirige em uma cidade deprimente, sempre chuvosa, com clientes que o tratam mal e cuja rotina inclui idas diårias à academia de ginåstica. à uma espécie de "Taxi Driver", de 1976, filme de Martin Scorsese, mas sem as cores glamourosas daquela Nova York. Na cidade de Ralphie, tudo é cinza.
Um de seus colegas da academia, notando o mau momento pelo qual ele passa, o convida para conhecer um grupo que pode ajudĂĄ-lo a sair dessa. Ă o tal do machĂłdromo, liderado pelo pai Dan, papel de Brody, e que ensina que boa parte do mal do mundo Ă© causado pelas mulheres.
Pai Dan ensina o "filho" Ralphie a sair do "campo de atração gravitacional da vaginosfera" e a celebrar o mundo macho sem fĂȘmeas por perto. Ă claro que tanta testosterona reunida nĂŁo vai dar em boa coisa.
Ă quando o rapaz cai na velha espiral de violĂȘncia, cada vez mais raivoso e sem contenção. HĂĄ algumas passagens violentas, mas "Manodrome" nĂŁo chega a ser um filme de porrada. A obra prefere transitar no gĂȘnero thriller, mas nĂŁo alcança a qualidade de um bom suspense. Ă perturbadora atĂ© certo limite.
Na entrevista coletiva do diretor e elenco no festival de Berlim, uma jornalista europeia fez uma pergunta interessante. Ela considerou que a ideia do filme podia ser universal, pelo menos no Ocidente atual, mas que, quando o personagem empunha uma arma e parte para resolver seus conflitos na bala, a histĂłria se tornava basicamente americana.
Tanto o diretor quanto o protagonista admitiram que, para eles, o fato de a arma aparecer no filme parecia uma progressĂŁo bastante lĂłgica diante da escalada de violĂȘncia. "Mas para uma plateia internacional, como essa em Berlim [cuja sociedade nĂŁo tem o acesso a armas tĂŁo facilitado como nos EUA], entendo que isso possa soar americano", disse Trengove.
Eisenberg também falou da relação de seu personagem com a esposa gråvida, Sal, vivida por Odessa Young. "Ele é tão infantilizado que precisa de uma figura materna. à claro que Sal significa isso para ele, mas isso não funciona num relacionamento."
"Manodrome" parece beber numa fonte ainda nĂŁo muito repisada, mas estĂĄ longe de ser o filme definitivo ou mesmo marcante sobre o crepĂșsculo do macho.