Não romantize a resiliência, aprenda a desenvolvê-la
Ao final de 2020, a perspectiva era de que, talvez, as coisas estivessem melhorando. Depois do baque inicial da pandemia de coronavírus, o comércio voltou a abrir, a vacina - a duras penas -, começava a chegar por aqui e a média móvel de óbitos caiu. Mas alguns comemoram cedo demais e, agora, exatamente um ano desde que a primeira quarentena foi decretada no Brasil, vivemos o momento mais sombrio desse período turbulento. Diante de tamanha dificuldade, podemos apenas em apenas uma palavra: resiliência.
Resiliência, segundo o dicionário, é "a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar após má sorte ou às mudanças". Sim, vivemos as duas coisas: tanto um momento que pode ser recheado de "má sorte" (nós preferimos "dificuldades") quanto de muitas mudanças - afinal, quem um dia imaginaria que a internet não seria só o lugar onde uma parte de nós trabalharia 100% do tempo, como também onde concentraríamos nossos momentos de lazer e descanso?
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E é muito fácil, principalmente para as camadas mais privilegiadas da sociedade, acreditar que esses momentos de dificuldade são "bons" e "importantes" em algum nível. Não são. O ideal é que ninguém passe por dificuldades na magnitude que estamos vendo acontecer do lado de fora das nossas janelas - e é cruel falar em ver o lado bom de uma situação ruim quando há tanta gente morrendo por descaso governamental ou se mantendo fora de casa por pura necessidade de sobrevivência.
Ao mesmo tempo, não podemos fazer pouco caso do sofrimento e da dor daqueles que, sim, têm se mantido em casa, continuam trabalhando (mesmo que do próprio quarto) e lidam com problemáticas que não passam pela sobrevivência, mas atingem outra camada, a do bem-estar mental. No fim, todos vamos, de alguma forma, desenvolver resiliência como um resultado do período pandêmico, mas uma coisa é fato: é preciso entender o que ela é, realmente, e como tornar esse desenvolvimento consciente para que seja possível continuar em frente. Afinal, é difícil saber o que vem por aí.
"[Resiliência] É sobre estar quebrado e inteiro ao mesmo tempo", explica a psicóloga Priscila Conte, especialista em psicologia positiva e pós-graduanda em Terapia Cognitivo Comportamental. "É uma habilidade de se adaptar aos dias, de escolher conscientemente ser o seu melhor para poder enfrentar diretamente seus estressores, perdas e sofrimentos. É a capacidade de avançar em tempos difíceis com o mínimo de interrupções e conseguindo criar caminhos para um futuro mais otimista."
Por esse viés da psicologia positiva, Priscila explica que a pessoa resiliente é aquela que consegue levar a vida de uma maneira fluída, que lida com fatores estressores com maior facilidade, de forma que ela se sente mais preparada para enfrentar momentos difíceis, conseguindo ser feliz independente do contexto, e que tem grande força interior. "É a pessoa que consegue enfrentar a realidade em si e buscar o melhor caminho para si mesmo, sem se deixar levar pelo automático", diz ela.
Dá pra desenvolver a própria resiliência?
Sim, ainda bem! Por mais que a visão explicada acima pareça utópica, a verdade é que qualquer pessoa pode desenvolver de forma consciente a própria resiliência, afinal, de acordo com Maria Sirois, citando Banaro, "a maioria de nós é resiliente o tempo todo". A questão é que, infelizmente, nós não percebemos que isso é assim. No entanto, se você reparar, é comum enfrentarmos desafios, perdas (seja de um parente, de uma amizade ou até de um emprego) e fazermos escolhas difíceis o tempo inteiro. Isso tudo colabora para o nosso aprendizado ao lidarmos com situações semelhantes, caso elas venham a se repetir mais para frente.
Sobre como, conscientemente, trabalhar a própria resiliência, existem muitas maneiras de incorporar a prática. Uma delas, e talvez a mais importante, é a psicoterapia: contar com um profissional capacitado que ajude você a olhar para as próprias experiências de forma mais descolada, aprender a analisar e interpretar as próprias emoções e trabalhar traumas ou medos passados são essenciais para que a sua inteligência emocional (e, consequentemente, a sua resiliência) sejam fortalecidas.
Ter uma rede de apoio forte é outro ponto, segundo Priscila. Contar com pessoas de confiança, que sejam próximas, é essencial para qualquer pessoa, em qualquer fase da vida, mas ter uma rede de suporte é ponto-chave para enfrentarmos períodos turbulentos com mais tranquilidade e acolhimento. Trabalhar a percepção que se tem de si mesmo, o seu próprio senso de apreciação da vida, buscar e viver um propósito de vida e até mesmo recuperar situações que já foram superadas ao longo da própria história são outras formas de também desenvolver a sua resiliência.
"Sendo mais resilientes, conseguimos ser mais felizes, ter uma vida mais próspera, mais otimista e repleta de esperança. Sabemos que somos capazes de enfrentar os desafios e, com isso, acreditamos mais em nós mesmos, desenvolvendo mais autoestima", explica a psicóloga. "Aprendemos a viver o presente e acolher as coisas como são, mas sabendo que sempre podemos evoluir e viver a nossa melhor versão."
É necessário reforçar, entretanto, que o desenvolvimento da resiliência não é algo alcançável a todas as pessoas - principalmente em um país tão desigual como o Brasil. É possível, inclusive, que pessoas muito resilientes nem saibam o que a palavra significa, porque viveram uma realidade repleta de dificuldades (como a pobreza extrema, a fome) que precisaram contornar para ter um mínimo de conforto. Tornar esse treino uma parte do dia a dia é um privilégio, sim, mas algo que pode ser compartilhado com todos, considerando-se o contexto, o entendimento e o momento de cada um.
Um detalhe que também precisa ficar claro é que o desenvolvimento da resiliência não é um processo necessariamente sofrido. Ou seja, não é um pré-requisito passar por dificuldades ou períodos de grande sofrimento, para assim, ser mais resiliente. Mas, infelizmente, é dessa forma que as mudanças geralmente acontecem.
"A resiliência é passível de ocorrer em qualquer momento. Porém, somos mais suscetíveis a mudar a forma como lidamos com as situações e aprender com elas quando nos vemos em um contexto onde todos estão vivendo algo semelhante", diz Priscila. "Por isso, a pandemia pode contribuir para alavancar a resiliência, caso a pessoa se abra para viver a experiência e tirar algo de positivo. Afinal, até nos nossos piores dias, ocorre algo positivo, basta alterarmos o nosso foco para conseguir enxergar essas coisas. Ademais, é importante ressaltar que a vida pode ser difícil, mas não precisa ser sofrida! E é aí que a psicologia positiva atua", finaliza.
Um último lembrete: se você ou alguém do seu entrono tem apresentado dificuldades para lidar com o que acontece no país e no mundo agora, se não vê perspectiva ou não consegue encontrar um mínimo de positividade nos seus dias, não hesite em pedir ajuda.