Quantos dias um homem precisa para decidir lavar a louça?
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Na sua casa, quem costuma cozinhar e lavar a louça? Lavar as roupas? Recolher os brinquedos das crianças ou dos pets? É bem capaz que a resposta esteja relacionada com a mulher da casa (seja mãe, esposa, namorada ou até mesmo filhas, ou amigas com quem você mora). Pois, com essa realidade em mente, um tuíte viralizou há algumas semanas quando uma mulher britânica decidiu simplesmente parar de fazer as tarefas de casa para ver quando o seu parceiro tomaria alguma atitude a respeito.
O amor é paciente, mas o amor também está cansado porque trabalha 14 horas por dia
Por trás da arroba @MissPotkin, a britânica criou um fio no Twitter relatando a sua experiência. Mãe de uma menina, ela começou contando que há dois dias decidiu parar de fazer as tarefas de casa para ver o que aconteceria. A maneira como ela relata a história é, de fato, hilária, mas o mais impressionante é ver os extremos em que a situação chega antes de alguém (que não ela) tomar uma atitude.
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Um dos pontos curiosos é que, na falta de xícaras e colheres limpas, ela conta que o marido decidiu usar a colher medidora da fórmula da bebê para adoçar o chá, e uma xícara "de emergência" que encontrou em algum lugar de casa. A casa também ganhou uma série de pilhas de roupas espalhadas pelos cantos, uma máquina de lavar louças que foi cheia, mas não ligada por "falta de tempo" e uma pia que virou, no mínimo, um perigo à saúde pública.
Two days ago, I decided to stop doing the dishes. I make all the dinners and I am tired of having to do all the cleaning too. SINCE THEN this pile has appeared and at some point they are going to run out of spoons and cups and plates.
Who will blink first? Not me. pic.twitter.com/IZkOwP3a6B— Miss Potkin (@MissPotkin) March 17, 2021
No total, foram três dias até que o marido de Miss Potkin decidisse que era o momento de, de fato, dar um jeito na casa, sem que ela precisasse falar ou fazer qualquer coisa. As roupas foram colocadas para lavar, a sujeira da cozinha foi limpa, as louças, devidamente lavadas e o papel higiênico foi colocado no banheiro (sim, teve isso também).
Desigualdade nas tarefas domésticas perdura
A ideia da britânica não era fazer mal à própria família ou permitir que eles vivessem em um ambiente insalubre, mas mostrar a importância de cuidar de um espaço que é comum a todos: "Nós mantemos as nossas casas arrumadas porque nós amamos. Nós cozinhamos pratos, colocamos mesas e enchemos o ar com cheiros de rosas e roupa lavada porque nós amamos. O amor é paciente, mas o amor também está cansado porque trabalha 14 horas por dia", escreveu.
Aliás, esse é um ponto muito importante e, no Brasil, extremamente comum. Se você já ouviu a expressão jornada dupla ou tripla por aí, ela tem um motivo para existir: diz respeito às mulheres que, além de manterem um trabalho formal, também são as responsáveis por cuidar dos filhos e da casa quando chegam da jornada de trabalho. E, claro, toda essa atividade extra é não remunerada e costuma ser colocada, 100%, na mão das mulheres da casa.
Existem muitas pesquisas que comprovam como isso acontece. Um estudo do IBGE publicado em 2019 revelou que, em média, as mulheres trabalham oito horas a mais do que os homens, quando se fala em afazeres domésticos e cuidados com familiares. No geral, elas dedicam 21 horas por semana com essas tarefas, quase o dobro que os homens - e, mais, acredita-se que 94% das mulheres façam algum tipo de tarefa doméstica durante a semana, ante pouco mais de 70% dos homens. Ou seja, a diferença ainda é grande.
Let me know when you want to talk about the fact that I stopped doing the laundry too. It’s getting a bit post apocalyptic. The piles are everywhere. pic.twitter.com/9NEUIVExwE
— Miss Potkin (@MissPotkin) March 18, 2021
Esses números são gerais, mas é importante notar que, quando falamos de mulheres negras, a média aumenta, como é de se esperar. De acordo com uma mesma pesquisa feita pelo IBGE em 2018, as negras dedicam uma hora a mais que as brancas com o trabalho doméstico - oito horas a mais que os homens negros.
Há décadas essa desigualdade se mantém igual, com, inclusive, um aumento no número de horas dedicadas pelas mulheres a essas atividades. E isso sem considerar a questão da pandemia, em que elas se sentiram ainda mais sobrecarregadas pela vida doméstica, somada ao trabalho e ao cuidado com os filhos, tudo dentro de um único espaço.
Isso é um padrão repetido e ensinado há muito tempo, claro. Não é sem motivo também que as meninas, em sua maioria, ficam mais em casa do que os meninos. É a ideia do brincar de casinha X jogar bola. Enquanto os meninos são ensinados a socializar mais e encontrar uma função fora de casa, as meninas são chamadas a ficarem no lar - e esse padrão se repete mesmo com a evolução do mercado de trabalho.
O que a saga de Miss Potnik mostrou é essa discrepância, que, com certeza, aumentou muito em tempos de COVID-19. Dizer que os homens da casa "ajudam" com as tarefas domésticas não é mais aceitável - o necessário mesmo é que essas tarefas sejam igualmente dividas para que a carga feminina seja menor. Esse, inclusive, é outro motivo pelo qual elas têm mais dificuldade de crescer profissionalmente e se especializarem nas respectivas áreas de atuação.
Você terá dias bons, dias ruins, até mesmo dias que não liga, mas as pessoas não gostam de não serem valorizadas, especialmente por aquelas que elas amam. Ponto final, disse a britânica
É preciso considerar, claro, as mulheres que escolhem não trabalhar e cuidar da casa - o que não significa que o seu trabalho é menos importante, significativo ou digno de reconhecimento. Mas, via de regra, o que vemos é uma sobrecarga que coloca a vida profissional e pessoal em um mesmo patamar, gerando um cansaço feminino difícil de controlar. A solução? Para começo de tudo: muita conversa: explicar o que se sente e como a situação na casa pode ser administrada melhor. Em segundo lugar, paciência. O tempo de um não é o mesmo do outro e, para quem passou a vida tendo alguém fazendo tudo por ele, mudar essa ideia pode ser desafiador. E, se a história contada no Twitter serve de exemplo: mudanças são possíveis, talvez só não precisem acontecer de forma tão drástica.