Pritzker premia David Chipperfield, que misturou clássico e contemporâneo
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Se o Parthenon fosse um projeto do século 21, provavelmente seu autor seria o arquiteto David Chipperfield. O inglês é o vencedor da edição de 2023 do Prêmio Pritzker, o prêmio máximo da arquitetura.
A associação com o classicismo não ocorre por reprodução pós-modernista de colunas dóricas, jônicas ou coríntias.
A correspondência estabelecida por Chipperfield com a gênese da arquitetura ocidental opera no campo dos princípios. As formas de seus projetos partem de geometria e modulação rigorosas. A natureza dos materiais empregados é explicitada visualmente e suas estruturas são pesadas, expressando solidez e estabilidade.
É uma arquitetura um tanto estranha à lógica atual de busca de holofotes por meio de imagens sedutoras e facilmente compartilháveis nas redes sociais para conferir um status fugaz ao autor.
Seria complicado medir a qualidade dos projetos do britânico pela quantidade de curtidas ou outros artifícios de interesse momentâneo, porque Chipperfield ambiciona a perenidade das suas edificações por séculos.
Diferentemente das recentes premiações do Pritzker atribuídas a Diébédo Francis Kéré (2022) ou a dupla de arquitetas mulheres do Grafton Architects (2020), a biografia de Chipperfield não carrega qualquer traço que permita uma justificativa de sua láurea por questões identitárias.
Afinal, ele é um londrino branco de origens um tanto aristocráticas, que se formou em faculdades de elite como a Kingston School of Art (1976) e a Architectural Association (1977). Trabalhou com Norman Foster, Pritzker de 1999, e Richard Rogers, vencedor em 2007, antes de fundar seu próprio escritório na sua cidade natal em 1985. Sua linhagem nobre verifica-se, sobretudo, quando se faz referência a ele pelo título de Sir David Chipperfield.
Então se trata de uma vitória conservadora? Não. Somente reitera que os critérios do júri do Pritzker favorecem as virtudes do projeto arquitetônico - a essência deste ofício -acima de narrativas personalistas.
Chipperfield já tinha feito obras no Japão e sido professor em Stuttgart quando, em 1997, ganha o concurso do projeto que lhe dá notoriedade: a restauração do Neues Museum, em Berlim.
No caso, é mais apropriado chamar de reconstrução, porque o museu, originalmente projetado por Friedrich August Stüler em meados do século 19, foi severamente bombardeado na Segunda Guerra Mundial e por décadas teve setores inteiros deixados em ruínas.
O arquiteto britânico reconstituiu o volume original do Neues Museum sem camuflar o que foi refeito em meio ao antigo: com sutis contrastes, ele fez uso de novos materiais para preencher áreas que desapareceram. Não escondeu as marcas do tempo e as traumáticas feridas da guerra sob massa e pintura.
Nisto é especialmente notável o hall da escadaria principal: a ornamentação que cobria paredes, pisos e teto não foi reconstituída, contudo replicou-se a forma original da escada grandiosa e simétrica, agora feita de uma reluzente mistura de cimento branco com lascas de mármore da Saxônia, tudo em meio a paredes de tijolos aparentes. O resultado é um ambiente monumental de rara elegância.
Reinaugurado em 2009, o projeto do Neues Museum estabeleceu um novo paradigma no campo do restauro de edifícios históricos com finalidades culturais. Isso abriu caminho para o escritório de David Chipperfield obter várias encomendas de projetos do gênero.
Na mesma ilha dos museus no rio Spree, ele projetou a James-Simon-Galerie inaugurada em 2018. O novo prédio mostra-se em plena sintonia com as vizinhas edificações neoclássicas do Museu Pergamon e do Altes Museum.
A galeria foi construída para cumprir funções mundanas atuais: balcões de informações, bilheterias, lojinha, guarda volumes, salas para exposições temporárias e um auditório. O propósito maior foi criar uma nova entrada para aquele distrito cultural insular. Este acesso é marcado por uma majestosa e solene escadaria ao ar livre, em meio à edificação com elegantes colunas altas e delgadas, revestida de pedra alva e luminosa.
A relação do arquiteto com a cidade de Berlim estreitou-se. Não precisa ser especialista na área para perceber a correlação entre a precisão matemática dos módulos de David Chipperfield e do mestre moderno Mies Van der Rohe: parecia natural que o inglês recebesse a incumbência do restauro da Neue Nationalgalerie, o icônico pavilhão de aço e vidro do século 20.
A encomenda tratava de atualizações técnicas de ar condicionado, luminotécnica e demais instalações, todavia, quando o projeto original é feito de componentes rigorosamente medidos e encaixados, a reforma é uma operação de criteriosa desmontagem e remontagem.
Outra cidade em que Chipperfield estabeleceu um notório vínculo é Veneza. Em 2012, ele foi curador da Bienal de Arquitetura, dando o título Common Ground - pode-se traduzir como terreno comum ou consenso.
Na época, ele afirmou que arquitetos deveriam refletir sobre suas responsabilidades coletivas, dizendo: "Nós nos promovemos autobiograficamente, mas nos distanciamos das preocupações comuns."
A explicação sobre sua Bienal concluía-se com o alerta: "Precisamos compartilhar ideias, reunir nossos talentos, levar-nos a sério para que as pessoas não vejam os arquitetos como prima donna, gênios solitários e estrelas da mídia, e sim como profissionais comprometidos com uma agenda compartilhada."
Para além da efemeridade de um evento, Chipperfield também concebeu os novos pavilhões para o Cemitério da Ilha de São Miguel em Veneza: ambientes plácidos desenhados sob os cânones renascentistas da perspectiva visando as proporções ideais -se os mortos dali não tiverem ido para o paraíso, ao menos seus corpos ficam em um lugar terreno de similares virtudes.
Ano passado foi aberta ao público pela primeira vez em cinco séculos o prédio da Procuradoria Velha na Praça de São Marcos. Chipperfield requalificou todos os interiores do edifício com mais de cem janelas e sobre cinquenta arcadas.
Destaca-se o último andar sob o telhado, onde ele abriu uma sequência de novos pórticos com arcos contemporâneos que remetem aos vistos no rés-do-chão.
Para bem compreender um projeto de David Chipperfield, é preciso cumprir a experiência um tanto arcaica de visitá-lo: percorrer atentamente sala por sala, subir suas escadas sempre singulares, desejar tocar a paredes para sentir a textura de um mármore perfeitamente cortado ou o concreto finamente polido, até, quando menos se espera, surpreender-se com um ângulo de inesperada beleza para os olhos.
Aos 69 anos, David Chipperfield foi selecionado em fevereiro para projetar o Museu Arqueológico de Atenas, o que parece ser o destino natural para o erudito que melhor compreende o que o classicismo pode oferecer à arquitetura contemporânea.