Por que mães não podem trabalhar, gozar, se divertir? A pressão pela perfeição adoece
Desde que descobriu a primeira gravidez, a publicitária Indiana Branco logo percebeu a pressão para ser a “mãe perfeita”. Não bastava cumprir com seus compromissos enquanto gestante (fazer pré-natal, planejar o parto), todos ao seu redor demandavam que suas ações girassem 100% ao redor da criança.
“Era o melhor para o bebê e não só para mim. Qualquer ação “torta” vinha com muito julgamento”.
O pós-parto da profissional, que hoje também é empreendedora e lida com o tema da maternidade em suas redes sociais, foi o comumente esperado: “Me apaguei como pessoa/mulher/profissional e realmente só me enxergava como mãe e isso era suficiente pra mim e para quem estava ao meu redor. Quando voltei ao mercado de trabalho tive muita dificuldade em entender que eu poderia ser “várias” e não apenas “mãe".
Mães canonizadas
O relato de Indiana é semelhante ao de muitas mulheres, inclusive as famosas. Recentemente, a influenciadora Karoline Lima, que trouxe à tona o abandono parental do jogador Eder Militão e foi rainha da “Farofa da Gkay”, desabafou em seu Instagram sobre as críticas que vem sofrendo:
Amo ser mãe, amo minha filha mais que tudo, amo quem eu sou quando estou com ela, porque sinto que sou capaz de tudo. Mas, o meu lado mulher é sempre posto à prova. Achei que nunca mais me envolveria com ninguém, porque ninguém iria querer uma mãe solteira [termo correto, mãe solo]
Junto ao time de Karol, outras celebridades também vêm se manifestando sobre o fenômeno das “mães canonizadas”. Bianca Andrade, a Boca Rosa, já revelou que sofreu com depressão pós-parto e também é frequente alvo de críticas sobre sua liberdade: "Você se sente perdida, [com] angústia, tristeza. Chorava todo dia, estava muito mal, muito triste. Completamente diferente do que imaginei. Queria estar no ápice da minha felicidade", contou ao "PodDelas".
A atriz Samara Felippo, por exemplo, sempre rende boas reflexões. Em um ensaio sensual na terça-feira (20), a artista aproveitou para desabafar sobre a partida das filhas para a casa do pai nos EUA, pois as crianças passam o ano inteiro com ela e vão para o pai apenas nas férias. Ela ainda mandou um recado aos haters que não aceitam sua liberdade como mulher.
"No vídeo, se quiser assistir volte dois posts, falo sobre a saudade, a nossa instabilidade emocional que é incontrolável nesse momento, falo do vazio que fica, que dói, mas falo do quanto é importante deixar ir, ter esse momento pra mim, mergulhar em mim, curtir meu parceiro sozinha, poder gozar e gemer alto, inclusive: isso é bem potente viu mulheres, cavem esse momento mães. Dá poder, libera e mexe emoções e energias inexplicáveis", escreveu.
A pressão pela perfeição adoece
Felizmente, o levante de vozes é crescente e calar tem se tornado a última opção. Camila Rufato Duarte, advogada, idealizadora do "Direito Dela" e líder do Comitê de Combate à Violência Contra a Mulher do Grupo Mulheres do Brasil JF, refletiu com o Yahoo sobre esse lugar “divino” destinado às mães.
A ideia da mãe como ser sagrado, divino vem, sem dúvidas, da religião que apresenta a mulher somente de duas formas: ou santa ou puta. A partir desta ideia, que foi intensificada pelo capitalismo, as mulheres foram submetidas e castradas crendo que todo o trabalho feminino, do lar ao cuidado dos filhos, é inerente à sua existência enquanto mulher
De acordo com a advogada, o conhecimento é uma chave fundamental para que o tema evolua. Liberdade feminina e os direitos das mulheres são pautas que precisam estar no radar da sociedade. Por sorte, como pontua Camila, as novas gerações já estão trazendo as transformações necessárias para alcançarmos um mundo com mais justiça e equidade.
O levantamento Caminhos em Saúde Mental, do Instituto Cactus (organização filantrópica que atua de forma independente para ampliar o debate sobre saúde mental no Brasil) mostra que, com a pandemia, as desigualdades sociais foram agravadas e a saúde mental das mulheres foi especialmente afetada.
De acordo com o levantamento, uma em cada cinco mulheres apresenta Transtornos Mentais Comuns (TMC) e a taxa de depressão é, em média, mais do que o dobro da taxa de homens com o mesmo sofrimento, podendo ainda ser mais persistente nas mulheres.
Camila Rufato também endossa a importância de tratarmos da saúde dessas mulheres, já que ela “é diretamente prejudicada pela santificação que tentam nos impor, especialmente porque a maioria das mulheres tenta se adequar ao que é socialmente esperado delas sem sequer perceber que nunca serão suficientes, pois é humanamente impossível”.
“Espera-se que sejamos mães perfeitas, mas também esposas impecáveis; além de profissionais bem sucedidas devemos cuidar da casa e estar dentro de um padrão estético irreal. Isso só traz culpa e mais culpa em ascensão infinita”.
Indiana, que abriu esta matéria, se identifica perfeitamente com o que a especialista aponta: “Muitos vezes sinto que não sou boa em nada e outras vezes sou ótima em tudo. E assim vou seguindo”.
Por enquanto, a receita em casa tem sido tirar um tempo para si mesma sempre que dá, compartilhar as dores e as maravilhas da maternidade com outras pessoas e abrir o jogo com os filhos, afinal, ninguém aqui precisa esconder a dor, não é?!
“Com o mais velho eu já falo muito sobre isso, e com a mais nova com certeza irei falar. Sou a melhor mãe que meus filhos poderiam ter e a melhor que consigo ser”.
Os holofotes ampliam a dor
Se para as mães anônimas o desconforto com as críticas de terceiros é grande, isso pode se tornar ainda pior quando a mulher é uma figura pública. A influenciadora Laís Brito é do time que divide os mistérios da maternidade com seus seguidores.
Ela, inclusive, revelou que não costuma dar presentes de Natal para os filhos: “Nós sempre fomos muito certos de todas as decisões que tomamos com nossos filhos. Sempre fui muito segura quanto à criação deles. Ninguém nunca falou nada, mas se falar não vou me incomodar também!”.
A atriz Flávia Reis, que está no ar em “Travessia” como Marineide, já refletiu com o Yahoo sobre o tema. Mãe aos 41 anos, a maternidade para a artista é para ser "leve, coletiva, com humor e com leveza". A artista precisou se desdobrar e abrir mão de bastante coisa quando teve Cecília, mas ao longo dos anos, aprendeu a ter mais prioridades e deixar de lado o que não importava mais.
"É uma experiência muito pesada. Agora, que a gente fala mais sobre isso (maternidade real), mas (antes) ser mãe era só uma benção. Abençoada e com muitos desafios...", reconhece.
Para Camila Rufato Duarte, os holofotes da fama amplificam tudo, inclusive a dor. “Fato é que a maioria das ofensas que essas mulheres públicas sofrem são via redes sociais, e é essencial pontuar que rede social não é terra sem lei. A mesma legislação que se aplica ao mundo offline aplica-se também ao online”.