Por que Anitta diz que funk era crime no Brasil? Entenda discurso do VMA

Anitta recebe prêmio de
Anitta recebe prêmio de "Melhor Clipe de Música Latina" no MTV Video Music Awards 2022. Foto: REUTERS/Brendan McDermid

Resumo da notícia:

  • Anitta vence primeiro prêmio do VMA para um artista do Brasil

  • Cantora levou a estatueta de Melhor Clipe de Música Latina e defendeu o funk no discurso

  • Artista levou o ritmo ao palco da premiação e falou sobre a importância desse momento

Anitta fez história na noite de domingo (28) ao se tornar a primeira brasileira vencedora de um prêmio do MTV Video Music Awards (VMA). A artista carioca recebeu a estatueta de Melhor Clipe de Música Latina pelo sucesso de "Envolver" e levou o funk ao palco da premiação internacional sem deixar o "Movimento da Sanfoninha" de fora de sua apresentação antes de ser contemplada com a vitória.

No entanto, há uma significado maior sobre a importância da brasileira ter dançado o ritmo para o mundo todo assistir. Em seu discurso, Anitta explica que o funk já foi considerado crime no Brasil e agradece o apoio dos fãs. "Hoje eu cantei aqui um ritmo que, por muitos anos no meu país, foi considerado crime. Eu nasci no gueto do Brasil e, para quem nasceu lá, a gente nunca pensou que isso foi possível. Então muito obrigada", declarou. Mas por que ela disse isso? Em que momento o funk foi discriminado?

Marginalização

Foi na década de 1990 que o ritmo ganhou o formato que permanece até hoje com as batidas nascidas das mãos de Fernando Luís Mattos da Matta, conhecido como DJ Marlboro, e letras que denunciam as injustiças da realidade das comunidades periféricas, marcada por violência e crime. Já em 1992, um suposto arrastão nas praias do Rio de Janeiro conhecido por "Arrastão de Ipanema" acabou deturpando a imagem do gênero musical. Na situação, jovens de dois morros cariocas se encontraram para realizar uma espécie de "coreografia da violência" e o ocorrido fez a sociedade fora das periferias passar a olhar o ritmo como criminoso.

Os bailes "proibidões" começaram a surgir com suposto financiamento pelo tráfico de drogas e armas para o alto nas favelas. A dualidade entre o lado cultural do movimento do funk, que procura expressar a vivência das periferias, e o lado do lucro para criminosos foi crescendo. Inclusive, festas chegaram a ser proibidas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em morros que eram dominados por facções criminosas.

Vale ressaltar que a generalização da ligação do ritmo com o crime exclui a relevância cultural do funk, que conta a história de milhões de brasileiros e resgata jovens do tráfico de drogas, do mundo do crime e de falta de oportunidades no mercado de trabalho. A maioria dos funkeiros que despontaram na indústria musical nas últimas décadas, como Anitta, Ludmilla, Mr. Catra, Tati Quebra Barraco, MC Sapão, surgiram de periferias cariocas e paulistas e passaram a ocupar cada vez mais espaços de classe alta. Mas apenas os bailes de favela são julgados como criminosos.

Quase virou crime por lei

O detalhe é que, em 2017, houve, de fato, a criação de um projeto de lei para que o funk fosse criminalizado. Em uma proposta, enviada pelo Portal E-cidadania, o webdesigner Marcelo Alonso, da zona norte de São Paulo, pediu a criminalização do gênero musical com o apoio de 21.985 assinaturas. Felizmente, a tentativa foi negada pelo Senado.

"É fato e de conhecimento dos brasileiros, difundido inclusive por diversos veículos de comunicação de mídia e internet com conteúdos podre (sic) alertando a população o poder público do crime contra a criança, o menor adolescente e a família. Crime de saúde pública desta 'falsa cultura' denominada funk", dizia a nota.

Prisão de Rennan da Penha

Um dos casos mais marcantes que envolvem a criminalização do funk é a prisão do DJ Rennan da Penha em 2019. Criador do Baile da Gaiola e um dos precursores do estilo 150BPM no Brasil, ele foi parar atrás das grades pela segunda vez ao ser acusado de associação ao tráfico de drogas por ser visto cumprimentando um traficante. Enquanto estava na prisão, Rennan chegou a ganhar o Prêmio Multishow de Canção do Ano, mas só foi solto após sete meses.

“Todo mundo sabe que tem um vídeo meu apertando a mão de um dos traficantes lá da comunidade. Eu morava ainda na comunidade naquela época, vou passar pelo cara e não vou falar? Aquele cara está lá até hoje e quem foi preso fui eu”, explicou em entrevista ao Yahoo.

Ele ainda relembrou de sua primeira prisão, em 2016, quando ficou sabendo que seu nome estava envolvido em buscas policiais. Como não devia nada para a Justiça, o músico continuou seguindo sua vida, mesmo foragido. “Meu filho tinha nascido dia 19 de setembro, passou uma semana e teve uma operação lá no morro. 'Tu está sendo procurado!', minha foto estava num monte de fotinhos, parecia foto de identidade. Um montão de pessoas sendo procuradas", relatou.

"No meu caso, meu mandado saiu em 2015, fiquei foragido até 2016. Eu estava fazendo bastante show, falei: 'não vou me entregar nada, eu não sou bandido'", relembrou. "Fiquei fazendo o baile foragido. A polícia estava na porta do baile e fui preso", completou.

Depois de seis meses privado de sua liberdade, Rennan teve direito a uma audiência sobre o seu caso, percebeu uma série de equívocos no processo de acusação e foi absolvido em primeira instância. "Fui condenado por algum motivo e não sei se foi o baile, as polêmicas do baile com relação ao tráfico, que não é competente para mim. Eu estava lá toda semana exercendo a minha função como DJ, conquistei minha casa, conquistei meu carrinho, e isso tudo é tirado de você", afirmou.