Podcast "A Mulher da Casa Abandonada" pode ser adaptado para streaming, confirma criador
Na mesa do bar ou no TikTok, o podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, da Folha de S. Paulo, se tornou um dos assuntos mais comentados das últimas semanas. O que também tem sido tratado como entretenimento nas redes sociais, com uma viralização fora de controle, é a denúncia de um crime bárbaro cometido por uma brasileira nos Estados Unidos. Agora, essa história real pode ser adaptada para um streaming de vídeo.
“Já tem bastante gente atrás, mas eu vou esperar a série terminar. Acho justo que as pessoas ouçam tudo antes de comprar”, contou o jornalista Chico Felitti, idealizador, roteirista e narrador do podcast, em entrevista ao Yahoo. ”Comprar um livro pela metade sem saber o final, não faria sentido”, argumentou, confirmando que pretende realizar uma adaptação, ao falar com o veículo durante a 26ª Bienal do Livro de São Paulo.
Como checado e narrado por ele, Margarida Bonetti escravizou, torturou, explorou e manteve em cárcere privado uma mulher por 20 anos. Ela fugiu do território estadunidense ao ser denunciada, entrou para a lista de procurados pelo FBI e se abrigou no antigo casarão de sua família, no bairro nobre de Higienópolis, em São Paulo. Vivia em liberdade, arrumando confusão com funcionários da prefeitura e até ameaçando chamar a polícia em algumas ocasiões.
Como ela passou décadas vivendo sem ser julgada pelos crimes que cometeu é a questão revelada por Chico Felitti, já conhecido por outros trabalhos, como o texto “Fofão da Augusta? Quem me chama assim não me conhece”, publicado no BuzzFeed News, em 2017, o livro "Ricardo e Vânia" e o podcast "Além do Meme".
Os relatos documentados no podcast, de que Margarida era procurada pelo FBI por manter uma antiga funcionária da família em condições análogas à escravidão, foram difíceis de digerir pelos ouvintes e um choque até para Felitti. “Eu duvidei muito”, admitiu. “Isso nem cabe muito no podcast, mas eu passei semanas me questionando: ‘Será que é a mesma pessoa? Será que eu estou criando uma história na minha cabeça? Será que eu estou encaixando uma peça no quebra-cabeça que não cabe? Eu mesmo não acreditei por muito tempo que aquilo era de fato a realidade e no fim era”.
O primeiro episódio foi publicado em 1º de junho, mas o trabalho ganhou a internet quando o quarto capítulo, intitulado "Uma Mulher e um Homem Livres", foram lançados. Foi diante de tamanha repercussão que os convites para a adaptação foram feitos. Mas enquanto os acordos não são firmados, “A Mulher da Casa Abandonada" terá um episódio em que Felitti entrevista Margarida Bonetti. De acordo com ele, na conversa ela apresenta "uma clareza e uma sinceridade ímpar”, que nem mesmo o jornalista esperava.
“Ela fala e não é que ela [queira] se desvencilhar de nada. Ela fala abertamente e dá pontos de vista que eu acho que são raríssimos de se encontrar e ditos em voz alta."
A repercussão do podcast
Com o sucesso do podcast, a casa se tornou praticamente um ponto turístico do bairro. Muitos tentaram fazer registros inéditos do ambiente e até foram gravar dancinhas na frente do imóvel.
Felitti diz não ver problema que a história tenha ganhado as redes sociais, mas espera que o caso não se resuma a um grande espetáculo:
Quando uma história ganha uma proporção como essa, ela vai se estilhaçar e virar várias coisas. Eu vejo com muito ânimo essa história do TikTok, eu acho massa, desde que nunca se perca a noção de que é uma história real".Chico Felitti, jornalista e criador do podcast
Para ele, as dancinhas na rede social são válidas, desde que não se esqueçam que tudo o que aconteceu é crime hediondo e uma pessoa teve a vida destruída. "[Espero] que não se perca a possibilidade da gente discutir escravidão contemporânea. O Brasil ainda é um dos países que mais tem escravidão doméstica contemporânea. Talvez possamos usar essa energia para debater como denunciar e como impedir que isso aconteça", completou.
O quinto episódio do podcast a ir ao ar, "Outras tantas mulheres", destaca justamente isso ao mostrar histórias de outras mulheres negras escravizadas por famílias brancas nos dias atuais.