Plataformas de streaming apostam em combos de assinatura e comerciais
SĂO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Um pacote que te dĂĄ direito a um conjunto de canais, que vĂŁo da programação mais genĂ©rica Ă mais de nicho, com filmes, sĂ©ries e programas esportivos, interrompida vez ou outra por anĂșncios. Parece a descrição de uma assinatura de televisĂŁo a cabo, mas Ă© para isso que caminha, hoje, o mercado de streaming.
Pois Ă©. Aqueles serviços que tomaram o audiovisual de assalto por exibirem conteĂșdo de forma ininterrupta, por preços comparativamente baixos e para todos os gostos estĂŁo promovendo um retorno parcial Ă era da TV tradicional. Ă o que indicam testes em curso e planejados por gigantes como Netflix, Disney e Amazon.
A primeira jĂĄ avisou aos funcionĂĄrios que deve implementar uma assinatura mais barata, custeada por anĂșncios, ainda em 2022. A segunda separa suas bibliotecas entre o Disney+ e o Star+ de acordo com produtora, gĂȘnero e pĂșblico-alvo. A terceira tem ampliado cada vez mais as parcerias, para que o assinante nĂŁo apenas pague pelo Prime Video, mas tambĂ©m por combos cheios de conteĂșdo extra, de documentĂĄrios ambientais a partidas de futebol.
NĂŁo Ă© como se streaming e televisĂŁo paga fossem virar a mesma coisa Âmas o primeiro tem, definitivamente, estudado e posto em prĂĄtica algumas fĂłrmulas que se provaram bem-sucedidas na segunda.
"Na AmĂ©rica Latina nĂłs estamos repetindo um ciclo similar ao de mercados mais avançados, em que os serviços por assinatura puxaram a primeira onda de crescimento do setor. Com a penetração de TVs conectadas [televisores com acesso Ă internet] para alĂ©m dos domicĂlios de alta renda, agora haverĂĄ um crescimento de serviços baseados em publicidade", explica Rafael Pallares, diretor latino-americano da Magnite, plataforma de venda de mĂdia digital.
De acordo com ele, em mercados como os Estados Unidos, as grandes empresas de streaming jĂĄ perceberam que podem lucrar mais ao diversificar sua oferta de assinaturas Âafinal, a mensalidade premium da Netflix, de R$ 55,90, pesa no bolso de muitos brasileiros, mas uma versĂŁo mais barata, com anĂșncios, pode ajudar o gigante a entrar em lares nos quais a televisĂŁo linear ainda reina suprema.
Pegue como exemplo o Hulu, irmĂŁo americano do Star+. LĂĄ fora, sua assinatura padrĂŁo custa US$ 6,99 Âcerca de R$ 35 por mĂȘs, parcialmente subsidiada por publicidade. Mas quem quer e pode pagar por uma versĂŁo sem interrupçÔes, desembolsa US$ 12,99 Âou R$ 66.
Pallares cita o levantamento "CTV: AlĂ©m do Futuro", estudo em que a Magnite ouviu 4.049 latino-americanos com acesso Ă internet, entre 18 e 64 anos, para entender os caminhos que o sob demanda deve trilhar. Nele, descobriu que 79% dos brasileiros entrevistados trocariam sua assinatura atual de streaming por uma mais barata, com anĂșncios, enquanto 71% gostariam de ter mais serviços Ă disposição, alĂ©m dos que jĂĄ assinam.
"O streaming tem muito a aprender com a TV linear, especialmente no que diz respeito Ă experiĂȘncia do anĂșncio", diz Pallares.
AlĂ©m de Netflix, tambĂ©m trabalham com modelos com anĂșncios o Disney+, que deve fazer a oferta a mercados internacionais no ano que vem, a HBO Max e o Paramount+, que nĂŁo tĂȘm data para disponibilizar a modalidade para o Brasil, alĂ©m da Globoplay e Prime Video, que jĂĄ exibem pequenas propagandas, nativas ou externas, no inĂcio de seus conteĂșdos.
NĂŁo hĂĄ dĂșvidas de que o streaming caminha para isso, com o grande diferencial de que, assim como os algoritmos ajudam os estĂșdios a criar e distribuir seus filmes e sĂ©ries de acordo com o perfil de seu pĂșblico, eles tambĂ©m podem ajudar anunciantes a falar diretamente com seu cliente em potencial. Ou seja, cada espectador verĂĄ propagandas que sejam mais adequadas a seu perfil de compra.
Na contramĂŁo das assinaturas barateadas, no entanto, o streaming tambĂ©m vem testando combos que sĂŁo mais caros, mas oferecem mais conteĂșdo. No brasileiro Globoplay, por exemplo, vocĂȘ pode comprar o serviço-base da Globo junto com canais transmitidos ao vivo, o Disney+, o esportivo Premiere e o leque de filmes do Telecine.
O mesmo acontece no Prime Video Channels, em que a Amazon oferece, além de sua própria plataforma de sob demanda, acesso ao Paramount+, ao Discovery+, ao Starzplay e vårios outros catålogos por um custo extra. O Apple TV segue a mesma linha.
"Pense nesse mercado como um shopping center. VocĂȘ tem ali uma loja-Ăąncora, com roupas para todo mundo, mas tambĂ©m lojas sĂł para quem gosta de esportes de aventura. No streaming Ă© a mesma coisa. Todo mundo oferece um pouco de tudo e ninguĂ©m Ă© especialista em nada, entĂŁo Ă© preciso encontrar maneiras de agradar quem procura conteĂșdo de nicho", explica Fabio Lima, fundador da Sofa Digital.
A plataforma, que trabalha com dados e curadoria para distribuir conteĂșdo audiovisual, acaba de lançar o Adrenalina, um canal de filmes de ação, terror e suspense a ser ofertado em serviços parceiros.
Ele diz que no mercado americano esse movimento em direção aos combos de assinatura jĂĄ estĂĄ mais consolidado. Ă um negĂłcio interessante para os "super-streamings" que hospedam esses canais, porque eles atraem mais pĂșblico e recebem um percentual da assinatura, e para os canais em si, porque nĂŁo precisam desenvolver um aplicativo, contratar uma plataforma de cobrança, ter um serviço de segurança etc.
Lima diz ainda que no passado, com a TV a cabo, havia uma grande oferta de conteĂșdo pago Ă qual poucos tinham acesso Âpor questĂ”es monetĂĄrias, jĂĄ que era preciso, Ă s vezes, contratar mais do que realmente se queria e logĂsticas Âporque era necessĂĄrio passar um cabo pelo endereço do espectador e chamar um tĂ©cnico para fazer a instalação. Com a internet, tudo ficou mais prĂĄtico.
"Ainda estamos num momento de tentativa e erro, porque o mercado ainda estĂĄ testando o que funciona. Mas certamente caminhamos para um modelo parecido com o da TV por assinatura, com o diferencial de que mais gente pode participar."
Para alĂ©m das questĂ”es financeiras desse mercado, Ă© interessante notar como o streaming tem se aproximado da lĂłgica testada pela televisĂŁo em outros campos. Se antes a Netflix havia padronizado a maratona e a oferta de todos os episĂłdios de uma vez, hoje essa mesma empresa testa outros modelos de lançamento, dividindo temporadas por volumes Âcomo aconteceu com "Stranger Things".
Na concorrĂȘncia, a estreia semanal se mantĂ©m como padrĂŁo, e a prĂłpria Netflix vem selecionando algumas poucas sĂ©ries para brincar com a estratĂ©gia, como Ă© o caso de "Snowpiercer".
As polĂticas de tolerĂąncia zero para o compartilhamento de senhas, tambĂ©m, devem voltar a individualizar o acesso Ă programação, como as maquininhas de TV a cabo faziam. Em relação a conteĂșdo, novelas tĂȘm virado a aposta de vĂĄrios serviços no Brasil, que tambĂ©m investem em programação esportiva transmitida ao vivo.
Pegando emprestado algumas das fĂłrmulas consagradas da televisĂŁo linear, o streaming tenta abocanhar uma fatia maior do mercado de audiovisual. Parece exagerado pensar que, em paĂses como o Brasil, ele vai substituir a TV aberta, mas a TV a cabo, por sua vez, pode sofrer diante de uma mĂĄquina que se mostra disposta a aperfeiçoar as suas crias.