Modelo negra tem pele clareada em campanha: "Temos que levar nossa própria maquiagem"

A modelo Júnia Evaristo comenta a prática de clareamento da pele negra em campanhas de beleza e moda
A modelo Júnia Evaristo comenta a prática de clareamento da pele negra em campanhas de beleza e moda

Quantas vezes você se preocupou em ter à mão a maquiagem exata para o seu tom de pele? Se você é branca, talvez esse questionamento não seja comum na sua mente. Mas, se você for negra…

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Na última semana, a modelo Júnia Evaristo usou as redes sociais para falar sobre um tema que, comumente, passa despercebido pelo público de maior acesso: o costume de grandes marcas de beleza - e até capas de revistas - clarearem o tom de pele das mulheres negras. O resultado, muitas vezes é uma pele acinzentada ou muito mais clara do que o tom natural.

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A ideia não é falar da campanha, especificamente, ou que esse é um problema isolado de uma única marca. Pelo contrário, o que Júnia quis com suas postagens era chamar atenção para uma questão que é muito mais rotineira do que se imagina.

"Isso não é de hoje. Conheço muitas modelos, principalmente negras, e essa é uma reclamação real", explica ela ao Yahoo. "Quero que isso mude. É complicado, não tem porque ter isso hoje em dia".

Pois é, o assunto não é novo mesmo. Em 2008, por exemplo, a L'Oréal foi acusada de clarear a cantora Beyoncé, então embaixadora de uma das suas linhas de shampoo. Já em 2014, a revista ‘Vanity Fair’ foi muito criticada nas redes sociais, depois de publicar fotos da atriz vencedora do Oscar Lupita Nyong'o com a pele mais clara.

Por aqui, Preta Gil já usou os seus perfis online para desabafar sobre um caso semelhante, em que posou para a revista ‘Moda Models’, mas a foto final de capa mostra a cantora com a pele em um tom bem diferente do que o seu tom real.

Esses, obviamente, são apenas alguns casos que mostram como é comum o clareamento da pele negra na mídia, especialmente na publicidade, e o quanto essas atitudes refletem um problema estrutural.

"A gente vê diversas marcas que tentam, de alguma forma, clarear ou que colocam um profissional que não sabe fazer uma pele negra, não se profissionalizou nesse tipo de pele. Ou aquela velha história que as pessoas sempre tentavam clarear a pele, até para a pele clara, e isso não mudou. Principalmente para a pele negra, as pessoas têm essa necessidade de mudar, de mudar os nossos traços, é complicado", continua Júnia.

Se não tem, leve de casa

A modelo ainda atenta para outro ponto importante. Além de precisar lidar com a necessidade do clareamento digital por parte das marcas, não é incomum ela ter que levar de casa a própria maquiagem ou precisar, ela mesma, cuidar do make nos bastidores dos ensaios de moda e beleza.

"A gente tem que levar o nosso produto porque sabe que, muitas vezes, não tem um do nosso tom, e a gente tenta retocar. Tentam clarear a nossa pele demais ou escurecer demais… E eu tenho certeza que isso não é uma reclamação só minha. O cuidado que tem com a pele negra é difícil, eu percebo que tem um certo descaso, não dão tanta importância para a pele negra quanto para a pele clara", diz.

Júnia, aliás, explica que é muito comum receber mensagens dos clientes orientando ela a levar a sua própria maquiagem para o set, já que eles mesmos não possuem os produtos corretos para o sem tom de pele: "Já perdi a conta de quantas vezes tive que passar por isso. É uma coisa normal para pessoas negras".

Não só isso, mas comenta também que já precisou ajustar fotos para poder usá-las no seu próprio portfólio. "Fiz uma foto, me deixaram cinza, e eu não consegui usar o material do trabalho que eu fiz, e tive que editar e tratar a foto para tentar amenizar a situação".

A mudança acontece no posicionamento

Com esse cenário diante de si - e certa de que ela não é a única que passa por situações como essa -, Júnia explica que a única forma de ver mudanças acontecendo é se posicionando.

"A gente tem que falar mesmo sobre essas coisas, não se calar, não aceitar. É inadmissível coisas assim, ter que ficar batendo nessa tecla em pleno 2019", diz ela. O medo de perder novas oportunidades de trabalho, aliás, é um dos principais motivadores da omissão, além da desvalorização. "Muitas vezes a gente fala, mas é silenciado, não dão importância para a nossa fala".

Não dá para generalizar. Segundo a top, existem ótimos profissionais no mercado, mas ainda há muito a se mudar. "Não é um problema de um profissional ou de uma marca, é um problema do sistema. É uma coisa que está no geral, infelizmente", finaliza ela.