Oscar 2023: Fabelsman, Armageddon Time e Bardo, as autobiografias de cineastas renomados
O Oscar 2023 reserva alguns assuntos curiosos, alguns que vão além do cinema. A entrega dos prêmios da Academia vai ser rodeada de expectativa para entendermos como lidarão com o tapa de Will Smith, além da "volta do cinema" após quase três anos de pandemia, com bilheterias prejudicadas e filmes adiados. As aguardadas indicações de blockbusters populares como Top Gun e Avatar, porém, devem ser acompanhadas por um estilo bem conhecido da velha Hollywood: as biografias.
A diferença é que agora é sobre autobiografias, um aspecto ainda mais com a cara da Academia, que ama venerar seus próprios membros. Este ano, três grandes diretores chegam para disputar vagas nas indicações, alguns com mais chances e outros com menos.
O primeiro, e mais recente vencedor de um Oscar, é Alejandro González Iñárritu, famoso por "Birdman" e "O Regresso", e que agora chega com "Bardo - Falsa Crônica de Algumas Verdades". Longa que vangloria mais o autor do que a arte, Bardo é daqueles filmes divisivos, mas sem nenhuma surpresa: humildade, afinal, nunca foi uma virtude de Iñárritu. A favor fo mexicano, o apreço dos membros por um filme que não mede esforços ao moldar o encanto que artistas abraçam, sejam verdades ou mentiras; contra, a qualidade dos outros filmes que tentam fazer o mesmo.
O principal concorrente de Bardo neste aspecto talvez seja "The Fabelsman", história de vida de Steven Spielberg dirigida pelo próprio. É difícil apontar um aspecto negativo do longa que não o fato de parecer "um filme de Oscar". Por outro lado, Spielberg o faz de uma maneira nada maniqueísta, apontando dedos e expondo as próprias feridas com altivez louvável. Aos 75 anos, o cineasta parece ter alcançado não só a liberdade de falar de si, como a de falar sobre seus defeitos sem nunca precisar falar sobre o seu talento - pois, logicamente, a história e o próprio filme falam por si. Enquanto Iñárritu brada sobre o próprio ego, Spielberg deixa a imagem e a trilha sonora gritar, enquanto o roteiro mantém aquele aspecto de fábula das melhores histórias da carreira do diretor.
Em terceiro lugar vem o mais polêmico e menos visado dos filmes autobiográficos: "Armageddon Time", de James Gray. Cineasta de renome, mas enaltecido por poucos críticos e quase nenhum público, Gray começa a moldar um caminho mais popular a partir de um elenco mais reconhecido - Brad Pitt em Ad Astra, Robert Pattinson em Z - A Cidade Perdida e agora Anthony Hopkins e Anne Hathaway em Armageddon Time. Gray fala sobre arte, mas aposta as cartas de forma mais incisiva no relacionamento familiar e nas entranhas de uma família disfuncional. Ele tem a coragem de falar sobre racismo e política, toca em temas espinhosos e expõe o ambiente nocivo e traumático no qual nasceu. Neste aspecto, Armageddon Time está mais próximo de Fabelsman do que Bardo, ainda que seja mais cínico e pessimista do que ambos - o que automaticamente o torna menos atrativo para o Oscar.
De toda forma, os três longas mostram visões distintas de cineastas sobre a própria obra e dissecam a forma como cada um deles enxerga o cinema como meio. Iñárritu personifica o ego e a poesia como instrumento, Gray constrói uma atmosfera de dores e cicatrizes que ardem até hoje, enquanto Spielberg conta uma fábula problemática, mas sempre com final feliz. Resta saber qual é a abordagem que a Academia vai decidir vangloriar — a poética, a cínica ou a fantasiosa.