Ódio às mulheres é real e caso Britney Spears deixa isso claro: "Quero ser ouvida"

LOS ANGELES, CALIFORNIA - JUNE 23: #FreeBritney activists protest at Los Angeles Grand Park during a conservatorship hearing for Britney Spears on June 23, 2021 in Los Angeles, California. Spears is expected to address the court remotely. Spears was placed in a conservatorship managed by her father, Jamie Spears, and an attorney, which controls her assets and business dealings, following her involuntary hospitalization for mental care in 2008. (Photo by Rich Fury/Getty Images)
Fãs protestaram durante a audiência sobre o caso de Brtiney Spears, no último dia 23 de junho, pedindo a sua liberdade (Foto: Getty Images)

Neste texto, você encontra:

  • Qual o momento do caso Britney Spears;

  • A relação do seu caso com uma sociedade doente;

  • Machismo e paternalismo que revelam uma relação abusiva.

Britney Spears é um ícone. A princesa do pop, como era chamada no auge da carreira, sucessora direta de Madonna, queridinha da mídia e um fenômeno do pop junto com boy bands como Backstreet Boys e N'Sync, se viu no centro de polêmicas, uma manchete sensacionalista atrás da outra. Há anos, tenta recuperar a própria vida e, agora, fica mais claro como muito do que ela viveu tem relação com uma sociedade doente.

As particularidades da história de Britney, claro, são apenas suas. Mas a trama não é nova, principalmente para artistas que se tornam muito famosas cedo. A história de Michael Jackson e toda a briga com a família, as obrigatoriedades impostas pelo pai controlador, são exemplos. Se pensamos em jovens artistas que passaram por dificuldades, temos como exemplo Demi Lovato, que precisou de internação em clínicas de reabilitação mais de uma vez - a primeira, depois de dar um soco no rosto de uma dançarina, nos bastidores de uma turnê. Justin Bieber também teve seus altos e baixos.

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Cada caso é um caso, mas quando falamos de estrelas que são mulheres, parece que a situação complica um pouco mais. O caso de Britney é um case. Há 13 anos ela não tem controle sobre a própria vida - se você não lembra, quando tinha 26 a justiça concedeu ao seu pai, Jamie Spears, a tutela e guarda da filha, que até então gerava preocupações por conta do seu estado de saúde mental.

Muita gente brinca que "se Britney sobreviveu à 2007, você consegue sobreviver a esse ano", e isso não é sem motivo. Aliás, o alerta já estava aí. No ano fatídico, a cantora foi flagrada raspando a cabeça e atacando um fotógrafo com um guarda-chuva. Naquela época, também perdeu não só a guarda como o direito de ver os próprios filhos, fruto do relacionamento com Kevin Federline. O resultado de tudo isso foi que Britney, literalmente, perdeu o controle da própria vida. O seu dinheiro, sua carreira, seus negócios… tudo passou a ser gerido pelo pai da cantora.

Depois de um período tão conturbado, a cantora tem tentado recuperar a própria vida aos poucos. Mas a guarda de todos os seus bens, inclusive da fortuna que continuou acumulando ao longo desse tempo - afinal, ela nunca parou totalmente de trabalhar -, ainda não está sob o seu controle.

Eu choro todos os diasdisse ela no depoimento oficial sobre o caso, que avalia devolver ou não a tutela de sua própria vida

Onde entra o ódio as mulheres nisso tudo?

Muito se fala sobre o abuso sofrido por mulheres, historicamente, no showbiz - o movimento #MeToo é um dos maiores exemplos, assim como o caso contra o produtor cinematográfico Harvey Weinstein, que abusou dezenas de mulheres em troca de oportunidades no ramo.

No depoimento de Britney, isso aparece de diversas maneiras. Primeiro, a informação chocante de que ela queria ter mais um filho, mas era obrigada a usar um DIU, um método anticoncepcional invasivo, pelos seus tutores legais. Ou seja, a decisão até mesmo sobre seu próprio corpo não era sua, mas de outras pessoas (em sua maioria homens que respondiam ao seu pai). Vemos isso muito claramente nas conversas sobre aborto aqui no Brasil e no mundo todo.

Essa conversa é, sim, fruto de uma sociedade machista e patriarcalista, que vê as mulheres como propriedade dos homens (ainda!) a ponto de não terem liberdade de escolha sobre os seus próprios corpos e sofrerem uma série de violências cotidianas por serem do gênero que são (quem lembra da pesquisa que comprovou que quase toda mulher brasileira já sofreu algum tipo de assédio nos transportes públicos e/ou privados?).

Outro ponto tem a ver com o controle do dinheiro de Britney. O controle financeiro feito por um homem é uma das bases dos relacionamentos abusivos, é uma forma de controle: o homem assume o poder sobre o dinheiro, tanto seu quanto da mulher, como uma maneira de controlá-la e mantê-la no lugar. Dessa forma, sair dessa relação se torna quase impossível para quem está dentro, já que, em boa parte das vezes, a mulher se vê sem recursos financeiros para sair de casa e se sustentar - inclusive por não ter o suficiente para pagar uma alimentação básica, por exemplo.

É claro que, considerando o histórico de Britney e as dificuldades que ela enfrentou, é preciso avaliar sua saúde mental. No entanto, 13 anos depois, sendo acompanhada de perto por médicos, tomando medicamentos fortes (inclusive a ponto de se sentir totalmente nocauteada por eles) sem reclamar e ainda trabalhando dia e noite para manter a carreira e uma fortuna que ela não usufrui há de se questionar a real necessidade da cantora não retomar o controle sobre a própria vida.

No depoimento, Britney ainda comenta que não bebe, não usa qualquer tipo de droga (além dos medicamentos prescritos) e segue à risca o cronograma que lhe é pedido - mas vê um grupo de homens enlouquecer quando ela decide se impor a respeito de um passo de dança, ser chamada de difícil e desobediente - e vê seus medicamentos alterados como punição.

É um caso extremo e delicado, mas que deixa claro o quanto a visão sobre as mulheres foi distorcida ao longo da história, ao ponto de uma das maiores estrelas pop da história não conseguir acesso livre ao próprio dinheiro, ganho com décadas de trabalho duro, e ser drogada diariamente com remédios. "Eu mereço a minha vida de volta", disse Britney. "Tudo o que eu quero é ser dona do meu próprio dinheiro, [...] e contar a minha história ao mundo. Eu quero ser ouvida". E, realmente, é ser ouvida, reconhecida e acolhida o que a cantora realmente merece.