O que leva alguém a querer tirar a própria vida?
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Por Celina Cardoso
Do advento da fluoxetina – o famoso antidepressivo Prozac -, no final do século passado, à popularização do termo resiliência, que determina a capacidade de adaptação de cada pessoa a diferentes cenários, a saúde mental tem ganhado cada vez mais atenção em uma sociedade na qual a depressão e o suicídio aumentam. Apesar de registrar taxas menores que países como França e China, observa-se um crescimento contínuo no índice de brasileiros que tentam se matar.
“Ainda faltam estudos recentes sobre o assunto. Temos um problema de captação de informações a esse respeito, mas a gente sabe que tem aumentado”, conta Rodrigo Martins Leite, médico psiquiatra, coordenador do Programa de psiquiatria social e cultural do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).
Segundo especialistas, o ato de tirar a própria vida faz parte de uma combinação de fatores. “Existem trabalhos que demonstram que crianças expostas a privações, abusos físicos, sexuais e situações de extremo estresse têm mais chance de tentar suicídio na vida adulta. Ter um transtorno mental, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático ou dependência química, podem aumentar esse risco. Assim como a perda de emprego, de algum familiar ou pessoa querida, e o fim de um relacionamento”, afirma Daniel Vasques, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
Geralmente quando a pessoa pensa ou tenta se matar é porque ela já perdeu a esperança e não enxerga uma saída para aquela situaçãocompleta Vasques
Apesar da maior discussão em torno da saúde mental e do suicídio, pessoas que tentam tirar a própria vida ou têm ideação suicida (pensamentos recorrente e planejamento da própria morte), ainda são vítimas de preconceitos, estigmas e julgamento moral. "A gente ainda associa tentar suicídio com fraqueza, com falta de caráter e falta de resiliência, que virou uma palavra-chave no mundo do trabalho e tem sido utilizada de uma forma um pouco complicada porque cada indivíduo tem seu potencial de resiliência, que é finito”, esclarece Leite.
Fique atento
Ficar atento a mudanças de comportamentos, como incapacidade de se relacionar, de trabalhar ou estudar, irritabilidade fora do comum, sem motivo aparente, podem ser sinais de transtorno mental. “Depressão é uma experiência muito pessoal. Contar com a amizade e o afeto de familiares e amigos é bastante importante. É importante estar disposto a ter uma conversa franca com quem sofre ao falar sobre o assunto. Vários estudos comprovam que este é o primeiro remédio”, finaliza Leite.
O Yahoo conversou com pessoas que, generosamente, compartilharam seus sofrimentos psíquicos e tentativas de suicídio. Por conta da discriminação que a sociedade ainda apresenta em relação as questões, os nomes das entrevistadas foram trocados.
"Depressão é um percurso do ponto A ao B, com um enrosco no meio"
A partir da adolescência, a autoimagem passou a ser motivo de angústia para Bianca*. Além da pressão por estar sempre magra, ela tinha seios muito grandes, o que a levou a consultar um endocrinologista. Durante a consulta, a Bianca ouviu que estava obesa - apesar de não estar- e que deveria ser vergonhoso para ela vestir um biquíni na praia. A partir disso, Bianca passou a tomar remédios para emagrecer – vendidos pelo tal endocrinologista – assinou revistas cujo tema principal era a boa forma física e ainda assim, vivia escondida, sempre inadequada.
Nesse período, aos 14 anos, começou a escrever poesia e teve a chance de ser publicada, mas a mãe não permitiu. Fã de Álvares de Azevedo, expoente gótico do romantismo brasileiro, Bianca cogitou que, se ela estivesse morta, suas poesias seriam publicadas. Esse pensamento e o cenário de sofrimento psíquico pelo qual estava passando, a levaram para primeira tentativa de tirar a própria vida. A jovem tentou pular de uma ponte, mas, pessoas que estavam em um comércio próximo, conseguiram fazê-la mudar de ideia.
Parte de uma família religiosa que não via a poesia com bons olhos, aos 18 anos, Bianca queimou mais de 150 páginas de sua obra e pediu a Deus perdão por tê-las escrito. Nessa época, a garota continuava bastante preocupada com o corpo, - apesar de aos 16 anos ter encontrado um cirurgião que esclareceu que o problema dos seios não era gordura, mas sim, excesso de glândulas mamárias. Ela fez uma cirurgia de redução e passou a fumar como forma de emagrecer.
Um dos acontecimentos traumáticos que Bianca conta a respeito de sua juventude foi um trote passado na casa dela, em que alguém dizia que ela estaria grávida porque era uma pessoa promíscua. A mãe foi conferir o absorvente para verificar sua menstruação. Todo esse quadro levou a garota a tentar se matar mais uma vez.
Ao todo, foram sete tentativas de suicídio e ainda hoje Bianca carrega as marcas dos traumas vividos. Ela pondera que as gerações anteriores não tinham as mesmas vivências e ferramentas para lidar com questões contemporâneas e isso impacta nas relações, muitas vezes de uma maneira não saudável. Ela relata que, tratamento psiquiátrico e psicológico, e, principalmente compartilhar sua história com outras mulheres ajudaram a superar e a ressignificar suas vivências, resgatando, inclusive, sua relação com a mãe.
O motivo não era o fim de um relacionamento
Após o fim de um namoro, Mia* passou a se sentir muito mal e acreditava que a vida não tinha mais sentido. A insônia, a constante vontade de chorar e o estado de semi-apatia levaram os pais dela a sugerirem que consultasse um psiquiatra. Ela começou o tratamento com o médico e também com um psicólogo. No entanto, ainda assim sentia um estado de cansaço que a levavam a desejar a morte intensamente. Foi quando tentou se matar pela primeira vez.
Após essa tentativa, continuou os tratamentos e retomou a rotina, apesar de perceber uma ansiedade por encontrar o ex-namorado pela cidade. Em um dia especialmente frustrante, Mia voltou a sentir que tudo era muito cansativo e tentou suicídio mais uma vez. Ela acordou no hospital, onde todos eram muito técnicos, e o fato de uma enfermeira pegar na mão dela e dizer que tudo ficaria bem lhe trouxe conforto e uma boa sensação.
Apesar de continuar o tratamento psiquiátrico durante todo esse processo, Mia pensou em se matar mais uma vez. Contudo, teve a percepção de era possível tentar mudar. Ela conta que pediu milhões de desculpas ao psiquiatra pelas tentativas de suicídio e foi bastante acolhida. “Ele me dizia que eu não tinha culpa nenhuma, mas que a gente precisava entender as causas que me levavam a isso para poder tratar”, conta.
Ela a princípio sentia vergonha por estar sofrendo aparentemente pelo fim de um relacionamento, mas descobriu, ao longo de todo esse processo, as reais causas que a fazem sofrer. Seguindo com o tratamento, Mia se sente melhor. “A depressão é a distância do ponto A ao B com um grande enrosco no meio”, define.