Mostra no CCBB celebra os 50 anos da arte armorial e obras de Ariano Suassuna

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*ARQUIVO* SÃO PAULO/SP-BRASIL,19/09/2012 - A Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP prestarå uma homenagem ao dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Suassuna .(Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)
*ARQUIVO* SÃO PAULO/SP-BRASIL,19/09/2012 - A Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP prestarå uma homenagem ao dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Suassuna .(Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No sertão, o sol tudo esclarece. "Sem lei nem Rei, me vi arremessado,/ bem menino, a um Planalto pedregoso./ Cambaleando, cego, ao sol do Acaso,/ Vi o mundo rugir, Tigre maldoso."

Num quarteto, o escritor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna descreveu o prĂłprio nascimento. Depois, desenhou letra por letra, outro quarteto, emendando mais trĂȘs tercetos atĂ© formar a sua "InfĂąncia", voltando Ă s imagens que o acompanharam ao longo da vida, paisagem apĂłs paisagem.

Entre as estrofes, pululam cabras aladas, mostrando lĂ­nguas e dentes. Desenhos, nas bordas do papel cartĂŁo, trazem cactos e espingardas, dividindo espaço com sĂłis vermelhos. A iluminogravura —neologismo que ele criou para definir a fusĂŁo de iluminura e gravura— Ă© um dos poemas que compĂ”em "Dez Sonetos com Mote Alheio", de 1980.

Usando nanquim, guache e Ăłleo, Suassuna empregou, cinco anos depois, tĂ©cnica similar em "Sonetos de Albano Cervonegro". Com os dois ĂĄlbuns e outras trĂȘs pinturas, revelou sua faceta de artista plĂĄstico, tĂŁo pouco conhecida do pĂșblico. Nos anos 1970, o escritor havia liderado o chamado movimento armorial, que ganha uma exposição comemorativa em seus 50 anos, no Centro Cultural Banco do Brasil, o CCBB, depois de atrair 140 mil visitantes em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro.

O termo "armorial" se refere ao conjunto de insígnias e brasÔes de um povo. Sob o aspecto temåtico, Suassuna enfatizava que a arte deveria ter uma ligação heråldica com as raízes nordestinas. Por isso, é comum achar brasÔes que identificam a genealogia de famílias da região em obras do período.

Em paralelo, as telas, sempre figurativas, louvam o folclore local, absorvendo lendas de sereias e quadrĂșpedes que cospem fogo. Desse modo, se elaborava uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular. Idealizada por Regina Godoy, "Movimento Armorial 50 Anos" selecionou 140 obras em diferentes suportes dos principais artistas da Ă©poca, como Lourdes MagalhĂŁes e AluĂ­sio Braga.

Desde a origem, o movimento foi concebido para integrar diferentes linguagens —literatura, mĂșsica, teatro e dança. Organizadora da exposição, Denise Mattar afirma que os cordĂ©is serviram de esteio para que o armorial se manifestasse tal como preconizado por Suassuna. "No cordel, vocĂȘ jĂĄ encontra todas as artes juntas", ela diz. "A literatura estĂĄ no romanceiro do Nordeste, a xilogravura serve como ilustração e, pela mĂșsica, as histĂłrias podem ser transmitidas."

Ela ressalta, porém, que os temas armoriais existiam bem antes do movimento, porque sempre integraram o imaginårio nordestino. A própria literatura de cordel chegou, no século 17, com os portugueses. Sobre os brasÔes e as criaturas, Mattar pensa ser uma herança ibérica dos tempos da Idade Média e das culturas negra e indígena.

O movimento surge no período em que Suassuna era diretor do departamento de Extensão da Universidade Federal de Pernambuco, a UFPE. Com o apoio dos políticos do Recife, lançou o movimento em outubro de 1970, com uma exposição e um concerto da Orquestra Armorial de Cùmara, na igreja São Pedro dos Clérigos.

Na Ă©poca, o escritor se preocupava com a descaracterização da cultura brasileira, o que deixa algumas dĂșvidas no ar. Uma delas Ă© atĂ© que ponto a inquietação do autor nĂŁo era tĂŁo somente expressĂŁo de um pensamento ufanista. "Essa reação dele surge contra a arte abstrata, que simbolizava tambĂ©m uma expansĂŁo polĂ­tica dos Estados Unidos", diz Mattar. "Ele foi contra a proposta, por exemplo, do grupo Ruptura ou dos artistas da Bienal de SĂŁo Paulo."

Suas convicçÔes estĂ©ticas estiveram presentes durante toda a carreira literĂĄria, tanto que a exposição se inicia por um nĂșcleo sobre a vida e obra do autor. Nele, encontramos a Ășnica cronologia correta sobre a vida de Suassuna, acompanhada de alguns manuscritos e capas das mais recentes ediçÔes de seus livros. Com letra caprichada, o autor de "Auto da Compadecida", de 1955, e "O Santo e a Porca", de 1957, escrevia tudo Ă  mĂŁo, desenhando temas armoriais nas bordas das pĂĄginas.

Na mesma sala, observamos as letras do alfabeto sertanejo, concebido por Suassuna em 1974, com a publicação do livro-ålbum "Ferros do Cariri: Uma Heråldica Sertaneja". O escritor reafirmava ali a natureza heråldica do armorial, criando símbolos a partir de ferros de marcar bois, que designam a propriedade familiar de uma criação de gado.

Em seguida, lembramos "A Compadecida", de George Jonas, um dos primeiros filmes coloridos do cinema brasileiro, lançado em 1969. São expostos os figurinos do longa, criado por Francisco Brennand, em desenhos de nanquim com låpis aquarelado.

Durante as filmagens em Brejo Madre de Deus, no interior de Pernambuco, AntÎnio Fagundes e Ary Toledo não aguentaram o calor, quando não estavam nos cenårios criados por Lina Bo Bardi. Regina Duarte, diz a lenda, foi exceção. Parada como uma eståtua, parecia ter se convencido de ser a própria Virgem Maria.

Enquanto isso, Brennand fugia de rótulos. Gaiato, dizia não ser armorial, mas sexual. Também afirmou ter aderido ao estilo pela amizade que tinha com Suassuna, mas não mencionou a onipresença dos elementos armoriais em sua obra. A rigor, existem duas fases do movimento. A divisão se deu por ordem cronológica, não representando expressiva diferença estética entre os períodos.

Para exemplificar a fase experimental, a mostra exibe algumas obras selecionadas pelo próprio Suassuna, que integram até hoje o acervo da UFPE. Em uma delas, Miguel dos Santos recria a luta de são Jorge em seu cavalo contra o dragão, com traços que sugerem movimento dos personagens ali representados.

Ao mesmo tempo, Fernando Lopes da Paz investiu na escultura, tematizando animais fantåsticos talhados em madeira, como em "O Gavião Sagrado" e "O Guerreiro", duas obras sem data conhecida. Usando a simbologia de forma particular, Gilvan Samico ganhou uma sala especial na exposição.

Com o tempo, Samico se tornou o artista armorial por excelĂȘncia. Sua obra privilegia a xilogravura, mas a mostra do CCBB traz tambĂ©m suas pinturas, como "O Fazedor da Noite", de 1976, que se distingue pela tonalidade das ondas em azul. Seu fino corte tem precisĂŁo incomum, capaz de contar histĂłrias, como em "A Bela e a Fera", de 1996, e "No Reino da Ave dos TrĂȘs Punhais", de 1975.

Em 2003, Ferreira Gullar, na condição de crĂ­tico de arte, dedicou um capĂ­tulo para Samico em seu livro "RelĂąmpagos". Novamente foi o poeta quem tudo esclareceu. "É uma linguagem clara, lĂ­mpida, mas plena de ecos. Ela Ă© assim jovem e arcaica. A linha, que Samico traça, para definir as figuras Ă© tambĂ©m expressiva em si mesma como linha, tem intensidade e melodia. É uma gravura sem truques, sem retĂłrica, sem falsas emoçÔes. É tudo grĂĄfico —o que estĂĄ ali estĂĄ ali, Ă  nossa vista."

Na mostra, a segunda fase do movimento Ă© celebrada com fotos do BalĂ© Armorial do Nordeste, criado em 1976. Mas Suassuna sĂł atingiria seus objetivos na dança com o Grupo Grial, que surgiu 20 anos depois, sob liderança de Maria Paula Costa RĂȘgo. JĂĄ a mĂșsica, continua a transmitir a palavra do escritor.

É o caso do grupo paranaense Rosa Armorial, que se apresenta no CCBB, em 18 de agosto. Com violas e pĂ­fanos, o conjunto jĂĄ lançou trĂȘs discos, combinando a boa simplicidade da cultura popular a alguns tons modernos —para alguns, herĂ©ticos.

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