Mandar ou não o filho para a escola: “Não tem muito o que fazer. Preciso trabalhar”
“Perdemos algumas noites pensando”. É como a analista de finanças Keila Mota, 30, define os dias mal dormidos diante da difícil decisão de mandar ou não o filho para a escola.
A decisão para pais e responsáveis ficou ainda mais difícil depois que o governo de São Paulo anunciou na última quarta-feira (03), que o estado entrará na fase vermelha, mas com as escolas abertas.
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Mãe de João Pedro, 8 anos, Keila não sabia qual seria a melhor escolha já que, diante de uma pandemia, há riscos. “No final do ano a gente já estava no limite e não estávamos mais conseguindo conciliar. Eu tenho um bebê de oito meses, então, era mais difícil”, diz.
Ela conta ainda que ficou com muito medo, mas seu filho estava apresentando sinais de tristeza e voltar às aulas poderia ser uma boa opção para ele. “Ficamos muito apreensivos, mas pensando no desenvolvimento educacional dele e até na interação com outras crianças, decidimos mandá-lo”, explica.
Assim como ela, outros pais estão sofrendo com o dilema de mandarem ou não os filhos para os colégios. Desde o fim do ano passado, algumas escolas particulares reabriram seguindo alguns protocolos de saúde.
Já as públicas seguem com um sistema híbrido (online e presencial) e com aproximadamente 30% dos alunos nas salas de aula. Além disso, na rede estadual, a prioridade é para grupos mais vulneráveis. “A pandemia abriu espaço para desigualdade educacional e ela é muito perversa. Quando você fala de retorno, teria que ter um protocolo correto, o que não ocorre na rede pública”, afirma Neide de Aquino, professora titular da Faculdade de Educação PUC São Paulo e doutora na área de educação.
Mães preferem que filhos frequentem escola
Vivian Batista, 28, é mãe de um menino de 5 anos e mesmo diante da insegurança, prefere que o filho frequente a escola. No ano retrasado, o garoto sofreu um grave acidente, o que impossibilitou de fazer diversas atividades e o deixou em uma cadeira de rodas por oito meses. “Quando ele teve alta, entrou logo a pandemia e teve que ficar em casa. Ele ficou muito estressado e com perda de apetite”, diz.
Outro ponto levantado pela assistente de marketing é o fato de ela ter que trabalhar e não ter com quem deixar o filho o dia todo. “Não tem muito o que fazer. Preciso ir para o trabalho e acho que ele na escola me ajuda muito. Ele fica lá em tempo integral.”
Quando questionada em relação ao medo da contaminação, ela conta que tenta conversar com o filho ao máximo para que ele siga os protocolos de segurança, como uso de máscara, álcool gel, uso da própria lancheira e brinquedo. “Eu e ele pegamos covid ano passado. Fiquei bem mal e ele não, acho que isso me deixa um pouco mais tranquila”, conta. Ela ressalta que se pudesse deixar o filho em casa, optaria por isso, mas pelo trabalho ser presencial, é quase impossível.
A estudante Roberta Granchi, 39 anos, tem duas filhas que estudam na rede particular e conta que, no começo, ela e seu marido tiveram muito receio de mandar as filhas de volta à escola. “Meu marido falava que não, já que os hospitais estavam super cheios e poderíamos correr os riscos”, afirma.
Mas, diante da rotina estressante e oportunidade do ensino presencial, eles decidiram que seria uma opção viável retornar às atividades escolares. “Eu conversei com a pediatra das duas e ela disse que era melhor para interação delas. A mais velha aprendeu a ler na pandemia, mas mesmo assim, percebi que elas ficaram mais preguiçosas, então a escola iria ajudar nesse ponto”, afirma.
“Conversei bastante com a pequena e ela já faz algumas coisas no automático. Sempre coloca a máscara no rosto quando está em um ambiente fechado e toma todas as medidas”, ressalta Roberta.
Por causa da decisão de quarta-feira em relação à fase vermelha, ela conta que a escola mandou uma enquete para os pais perguntando se eles vão ou não mandar as crianças para o colégio. “Por enquanto, elas vão continuar indo”, diz.
Professores também precisam ser assistidos
E não são só as crianças e adolescentes que sofrem com os riscos do coronavírus. Os professores e educadores que estão em contato diário com os estudantes também têm o risco aumentado.
Embora a maioria das escolas esteja seguindo protocolos de segurança, para a professora titular da Faculdade de Educação PUC São Paulo e doutora na área de educação,Aquino, o fechamento dos colégios deveria ocorrer por pelo menos quinze ou 20 dias para preservar a saúde de todos. “Na minha opinião, deveria fechar por um tempo, até diminuir o número de casos. Os professores merecem respeito”, afirma.
Mesmo sendo mais difícil o desenvolvimento no ambiente online, a doutora em educação afirma que isso é uma alternativa social de aprendizado.
Eduardo Baez, professor do ensino médio, historiador e sociólogo, também concorda que, por enquanto, as aulas deveriam ocorrer de forma online. “O ensino remoto já vem sendo testado há dois anos em algumas escolas particulares. Não é algo novo. Na minha opinião, deixaria o ensino remoto até a vacina chegar para os professores, mesmo entendendo a necessidade de convivência dos alunos”, afirma.
Desigualdade na educação
Ambos especialistas concordam que mesmo com a volta às aulas, essa mudança no contexto escolar vai gerar uma piora ainda maior no desenvolvimento das crianças e adolescentes. E o mais grave: abre espaço para um desigualdade escolar e social.
Enquanto alguns alunos de escolas particulares terão um acesso frequente a conteúdos, estudantes da rede pública não têm nem o que comer. “Essa realidade se refletiu no Enem esse ano, com o maior número de abstenção da história. O aluno de escola particular teve aula, revisão e se preparou. Já o da pública não teve esse mesmo acesso. O problema não são os recursos, e sim, a gestão”, finaliza Baez.