Como o k-pop tem ajudado adolescentes na luta contra depressão e suicídio

Com músicas cativantes e muita dança, grupos de k-pop como o BTS criaram grupos de fãs tão dedicados quanto os idols (Foto: Divulgação)
Com músicas cativantes e muita dança, grupos de k-pop como o BTS criaram grupos de fãs tão dedicados quanto os idols (Foto: Divulgação)

Um vídeo com sete homens dançando bateu o recorde de mais visto em 24 horas e o mundo ficou se perguntando: por que as pessoas estão tão dispostas a ver outras cantando em coreano a ponto de tornar esse vídeo um sucesso mundial

Grupos como esse, o BTS, um dos maiores vindos da Coreia do Sul atualmente, estão despontando como uma tendência global. Mas não é apenas por causa das músicas chiclete e coreografias hipnotizantes.

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O k-pop, abreviação de "korean pop" ou "pop coreano", criou mais do que uma indústria gigantesca de celebridades e hits de sucesso: também gerou comunidades de fãs que se tornaram essenciais no combate à depressão entre jovens.

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"Foi um arco-íris numa época mega cinza da minha vida". É assim que Érica Imenes, co-autora de dois livros sobre k-pop no Brasil, começou a se envolver com o gênero. Na época, ela sentia que a profissão já não trazia mais tanta alegria - ela trabalhava com produção de conteúdo e música - e as canções que a inspiravam não tinham mais esse efeito. Como é comum acontecer com quem se envolve com k-pop, Érica assistiu um clipe, "caiu em um buraco negro" e nunca mais saiu.

Para a autora, as questões mais sérias envolvendo a sua saúde mental, como o diagnóstico de depressão e crises de ansiedade, viriam alguns anos depois desse primeiro contato. Mas a música, ainda assim, serviu como um apoio. "O k-pop sempre foi uma grande válvula de escape por ser algo que me inspirou e continuou me inspirando, fosse pelas letras ou pelos aspectos positivos da cultura em si", explica ela, que lançou no último final de semana ao segundo livro sobre a temática, K-Pop - Além da Sobrevivência, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro.

Emanuelle Silva, de 22 anos, começou a se envolver com o k-pop depois de ganhar uma bolsa de estudos para a Coreia do Sul. Para ela, o que mais chamou a atenção, além das músicas com uma vibe "feel-good" (sinta-se bem em tradução livre), foi o senso de pertencimento que encontrou nas comunidades de fãs, os fandons, e como essa comunidade a ajudou a se sentir menos sozinha.

"Você encontra pessoas que compartilham sua animação ou tristeza em relação a determinada notícia ou lançamento de música, pessoas que conseguem rir das mesmas piadas internas que você, ou com quem você pode compartilhar o mesmo gosto por determinado idol (como são chamados os membros dos grupos musicais) - isso ajuda na solidão que acaba sendo parte da depressão também. Algumas dessas pessoas podem compartilhar das mesmas experiências de vida que você, e se tornam alguém com quem você pode conversar abertamente, sem medo de julgamento. É um tipo bom de carinho e atenção que, às vezes, você não consegue encontrar em outros lugares", diz ela.

Emma acredita que toda fase da vida tem uma trilha sonora e, para ela, o k-pop foi importante em um momento muito delicado. No final de 2017, ela passou por uma crise depressiva séria, que coincidiu com o suicídio do músico Kim Jonghyun, do grupo SHINee. Meses depois, a banda The Rose lançou uma música que abordava questões como essa, chamada 'She's In The Rain’, e que ajudou Emma naquele momento da vida: "Escutar a música me fez sentir menos sozinha, sabendo que outras pessoas também estavam passando por essa dificuldade em aceitar o que aconteceu e também estavam tristes".

Aliás, a sensação de pertencimento é o grande triunfo do k-pop como um catalizador de melhora para a depressão. Tanto para Érica, quanto para Emma, ver pessoas que se esforçam tanto e são tão dedicadas aos fãs - salvo as devidas problemáticas de como os famosos chegam ao estrelato na Coreia e se mantém lá, claro -, é o que cria uma comunidade singular, muito unida e com pessoas dispostas a se ajudarem.

"Uma luz no fim do túnel é tudo o que a gente precisa pra continuar andando por esse túnel, por mais escuro que seja, e uma hora realmente achar a luz, não só no fim, mas fora dele. O k-pop é esse gancho, para a gente sair desse túnel", diz Érica.

Idols, Coréia do Sul e Depressão

Seja na Coréia do Sul ou no Brasil, a depressão e o suicídio ainda são tabus sociais. Falar sobre o assunto é complicado em qualquer uma das culturas - a diferença é que, do lado de lá, a rigidez da cultura torna o diálogo muito mais difícil do que no Brasil.

Em números gerais, segundo as Nações Unidas, 800 mil pessoas cometem suicídio por ano, sendo essa a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 e 24 anos. Quando o assunto é depressão, a ONU estima que mais de 322 milhões de pessoas no mundo todo sofram da doença - só no Brasil, são 11,5 milhões de pessoas.

"Existe um estigma ainda na Coreia e em outras sociedades asiáticas sobre saúde mental. Por conta de tudo o que a Coreia passou, eles precisaram se blindar de alguma forma. Hoje em dia eles ainda lidam com as consequências sociais dessas décadas de dificuldades que passaram, e eles entendem a fraqueza de uma forma muito mais dura e fria", explica Érica.

Suga, rapper do BTS, faz questão de escrever letras que abordem temas sérios, incluindo depressão. (Foto: JTBC PLUS/Imazins via Getty Images)
Suga, rapper do BTS, faz questão de escrever letras que abordem temas sérios, incluindo depressão. (Foto: JTBC PLUS/Imazins via Getty Images)

Os idols estão inseridos nisso. Mas Érica percebe que, pouco a pouco, essas pessoas têm usado a sua influência para gerar conversas significativas e que aumentem a conscientização sobre o tema.

Suga, um dos rappers do BTS, é um exemplo disso - ele faz questão de escrever letras que falem, de verdade, daquilo que sente, inclusive questões de saúde mental, como é o caso da sua mixtape solo, August D. Além disso, o próprio BTS é conhecido por fazer um trabalho de incentivar o amor próprio e o autocuidado. Tanto que um dos seus álbuns mais recentes, chamado Love Yourself, foi lançado como o capítulo final de uma narrativa de autoconhecimento.

"O bom do k-pop como parte de uma onda cada vez mais globalizada é que os idols têm contato com uma outra realidade que já tenta lidar com as doenças mentais de uma forma mais carinhosa. Eles levam isso para a Coreia, esse entendimento de que é necessário falar sobre isso", diz a autora.

Tanto a Coreia quanto o Brasil estão na lista dos dez países com maior índice de suicídios no mundo - o que claramente indica uma necessidade de gerar conversas abertas para tentar reverter esse quadro, que hoje é visto pelos órgãos internacionais como uma epidemia.

Atendimento

Por aqui, é possível encontrar atendimento psiquiátrico e terapêutico gratuitamente ou a preços mais acessíveis, e é possível também buscar ajuda ligando para o CVV - o Centro de Valorização da Vida -, discando 188.

A indústria do k-pop e a cultura coreana em si ainda têm muito a melhorar, seja em relação à forma como os idols são tratados, seja pelo preconceito enraizado no seu sistema familiar, mas é inegável que, no mínimo, os fãs encontraram na sua música uma forma de apoio e conforto para aquilo que sentem.

“Existe toda uma visão que vem de uma masculinidade tóxica do Ocidente que acaba impedindo muitas pessoas de gostarem ou procurarem saber sobre k-pop sem algum preconceito envolvido. Entendo que nem todo mundo vai gostar das mesmas coisas, mas acredito que as pessoas podem procurar saber mais a respeito antes de julgarem, e serem, pelo menos, cordiais e entenderem que tudo bem se você não gostar. Mas existem pessoas que gostam de k-pop e pra quem o k-pop é importante e que não precisam de nenhum tipo de negatividade associado a algo que é para trazer um refúgio, uma alegria em relação ao dia a dia", finaliza Emma.