Helen Mirren faz atuação digna de Oscar em 'Golda' fumando mais de 30 cigarros
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) - Helen Mirren, vencedora do Oscar por sua interpretação de Elizabeth 2ª em "A Rainha", de 2006, parece seriamente destinada à sua quinta indicação aos prêmios da Academia de Hollywood por "Golda", exibido agora no festival de Berlim.
Essa Golda é Golda Meir, morta em 1978, primeira-ministra de Israel entre 1969 e 1974 e que enfrentou seu maior desafio quando seu país foi invadido por duas nações árabes, subsidiadas pela União Soviética, na que ficou conhecida como Guerra de Yom Kippur.
Este é o recorte de "Golda", os 20 dias do conflito árabe-israelense em outubro de 1973. Na verdade, o filme se passa em 1975 quando Meir, já fora da cadeira de primeira-ministra, atende a uma convocação jurídica para explicar suas ações na guerra. Tudo, então, é contado em flashback.
A visão do filme é a mesma de Meir. Por exemplo, não há cenas de guerra, apenas as imagens de satélite exibidas na sala de seus comandantes militares. Por elas, vemos o ataque dos tanques egípcios, pelo sul, e dos sírios, pelo norte, que avançam sobre Israel.
Também ouvimos ao vivo as transmissões de rádio desesperadoras das forças israelenses sendo dizimadas nos primeiros dias do conflito.
Liev Schreiber faz o papel do secretário de Estado americano Henry Kissinger, de certa forma chantageado por Meir para fornecer dinheiro e aviões a Israel em um momento tão delicado. Uma das consequências da Guerra de Yom Kippur foi a primeira crise do petróleo, quando as nações árabes, naquele mesmo outubro, quadruplicaram o preço do barril para as nações que apoiaram Israel no conflito.
Mirren atua sob pesadíssima maquiagem e com próteses, notadamente a do nariz. Segundo o diretor Guy Nattiv contou na coletiva da Berlinale, na tarde desta segunda-feira, todos os dias o rosto da atriz era submetida a quatro horas de preparação.
Interessante o ponto do fumo. Meir era uma fumante inveterada -"heavy smoker", conforme explicou Mirrem na coletiva- e ela aparece fumando nada menos do que 33 cigarros durante os 100 minutos de projeção.
Essa média de um novo cigarro a cada três minutos de filme ficará significativamente maior se considerarmos os fumantes ao redor de Golda Meir. E eles são praticamente todos, desde os ministros à sua secretaria.
Quanto a Meir, ela fuma na cama, fuma enquanto come e fuma mesmo deitada na mesa de radioterapia, onde está secretamente se submetendo a um tratamento do câncer linfático que viria a matá-la em 1978.
"Os cigarros no filme também são uma metáfora", afirmou o diretor. "Toda aquela fumaça representa também as dificuldades que Golda tinha em ver claramente a situação que acontecia durante a guerra."
Segundo o roteirista Nicholas Martin, mais de cem biografias de Golda Meir já forma escritas, incluindo a autobiografia "Minha Vida", mas a obra não pretende ser um filme biográfico, e sim focar um momento específico da vida da israelense. É o mesmo caso, aliás, de "A Rainha", que tratava da monarquia nos dias após a morte da ex-princesa Diana Spencer.
Mas Martin revelou que boa parte das conversas entre Meir e seus ministros e comandantes foram retiradas de documentos confidenciais que viram a luz nos últimos anos. "É uma história que capta quem ela foi", disse.
Segundo Mirren, Meir era uma mulher muito corajosa e que nunca exerceu seus poderes ditatorialmente. "Ela sabia ouvir e era muito maternal. Adorava cozinhar e tinha esse grande lado doméstico, como eu. Foi uma grande personagem para se entrar", comentou a atriz.
Mirrem também falou sobre o trauma da Guerra de Yom Kippur sobre Israel naquele momento. "Era um país muito novo [criado em 1948, após a Segunda Guerra Mundial] e que não tinha muitos jovens. Foi absolutamente traumatizante para o país perder parte daquela geração nos campos de batalha".
Golda Meir foi fartamente apontada como responsável pela falta de preparação de Israel para a guerra e isso a fez renunciar do cargo em 1974, apenas seis meses depois da invasão.
Nascido em maio de 1973, o diretor Guy Nattiv é um dos filhos dessa guerra. "Como israelense, cresci com essa história e sei que Yom Kipper é o Vietnã de Israel. Estou preparado e, na verdade, estou louco para que o filme reabra as discussões sobre isso de novo no país."
Outra estreia na Berlinale, nesta terça-feira, é do novo longa de Philippe Garrel, prestigiado diretor francês que apresentou "Le Grand Chariot".
A obra mostra o dia a dia de uma família de marionetistas cuja morte do pai abala a companhia e abre espaço para que seus filhos repensem suas carreiras e eventualmente sigam novos caminhos.
Os filhos são interpretados pelos filhos reais do diretor, que são as Esther, Lena e Louis Garrel, um ator já reconhecido por papéis em filmes como "Os Sonhadores", de 2003, e "O Oficial e o Espião", de 2019.
Típico exemplar da escola cinematográfica francesa, "Le Grand Chariot" foca em relacionamentos, amores e decepções, fugindo completamente da grandiosidade política de um filme como "Golda".