Gordofobia no "BBB22" reflete realidade de um Brasil que trata corpos como vitrine

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Tiago Abravanel fez um discurso sobre gordofobia no
Tiago Abravanel fez um discurso sobre gordofobia no "BBB22" (Reprodução Globoplay)

Arthur Aguiar virou meme nas redes sociais nesse inĂ­cio de "BBB22" por sua alegria na mesa: longe das dietas que marcam seu cotidiano fora da casa, o brother jĂĄ virou queridinho do pĂșblico que adora vĂȘ-lo comer pĂŁo com gosto no cafĂ© da manhĂŁ, encher o prato durante almoço e jantar e empilhar docinhos e salgadinhos durante as festas da casa.

Algo tĂŁo simples como o prazer de comer, infelizmente, nĂŁo Ă© um direito de todos. Arthur Ă© celebrado por ser um homem magro. Pessoas gordas, como jĂĄ apontou Tiago Abravanel na casa, tĂȘm seu consumo de comida diariamente estigmatizado, e comer com prazer e alegria uma pizza ou um hambĂșrguer com batata frita Ă© um ato demonizado e repleto de implicaçÔes negativas.

Pessoas magras que comem um pedaço de pizza estĂŁo aproveitando a vida e curtindo os sabores; pessoas gordas estĂŁo "ficando mais doentes", tendo "hĂĄbitos nojentos" ou "se entupindo para nĂŁo lidar com seus sentimentos". Pessoas magras nĂŁo sĂŁo julgadas pela quantidade de comida consumida ou seus hĂĄbitos alimentares. Pessoas gordas, especialmente mulheres, tĂȘm direitos fundamentais negados e podem atĂ© mesmo morrer por gordofobia mĂ©dica.

Preconceito sistĂȘmico no BBB

A gordofobia estĂĄ em todo lugar, especialmente em um reality de grande projeção como o 'BBB'. No BBB20, Babu jĂĄ falava sobre o preconceito em relação a pessoas gordas na casa, especialmente no caso de provas de resistĂȘncia e desafios de força fĂ­sica. Durante o programa ao vivo, o ator explicou que sentia na pele a gordofobia sempre que a produção organizava uma prova do lĂ­der.

"VocĂȘs deixam eu e Victor Hugo, gordos, de lado na hora de escolher quem compete com vocĂȘs. Isso Ă© um fato. NĂŁo adianta vocĂȘs argumentarem. NĂŁo estou acusando ninguĂ©m. Estou falando que foi um fato. Todo mundo pensava que era prova de resistĂȘncia, sim. E todo mundo que se propĂŽs a fazer dupla nĂŁo olhou para os gordinhos", desabafou. Na Ă©poca, Mari Gonzalez tentou negar o raciocĂ­nio de Babu, dizendo que era uma visĂŁo dele, e o ator rebateu: "Sim, Ă© uma bandeira minha, nĂŁo sua".

No "BBB22", Tiago Abravanel jĂĄ sofreu gordofobia na primeira semana, quando Lucas afirmou que obesidade Ă© sempre um problema de saĂșde. "Gordofobia vai alĂ©m do estĂ©tico. Eu nĂŁo passo em catracas, o cinto da poltrona do aviĂŁo nĂŁo cabe em mim. As pessoas gordas sĂŁo excluĂ­das da sociedade. É estranho chegar em uma loja e me dirigir a determinado local, enquanto todo o resto da loja, qualquer pessoa pode consumir. SaĂșde vai alĂ©m da forma fĂ­sica, tem vĂĄrios caras que sĂŁo sarados e a saĂșde pĂ©ssima", explicou ele. O estudante de medicina insistiu, dizendo que Ă© inegĂĄvel que estar gordo causa problemas de saĂșde. "Eu, com 120 quilos, tenho meus exames em dia. Cada caso Ă© caso, o mĂ©dico precisa estudar individualmente. Generalizar o sobrepeso como fator de risco Ă© gordofobia", rebateu Tiago, seguro.

Em um mundo ideal, uma pessoa gorda como Tiago Abravanel nĂŁo precisaria defender seu direito de existir tendo que expĂŽr informaçÔes mĂ©dicas sigilosas, muito menos explicar para um estudante de medicina que peso nĂŁo Ă© fator determinante para saĂșde.

Gordofobia médica mata

Um levantamento conduzido pela MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa online, apontou em 2021 que, entre 1000 pacientes, 26% das pessoas gordas jĂĄ foram maltratadas por profissionais de saĂșde. Traumatizadas, muitas mulheres preferem ficar longe dos hospitais e nĂŁo fazem exames de prevenção de doenças como cĂąncer de colo de Ăștero, por exemplo. Essas estatĂ­sticas ficam mais assustadoras quanto mais marginalizada Ă© a paciente, e mulheres pretas tambĂ©m enfrentam percentuais horrendos de preconceito mĂ©dico.

Preconceito estrutural tira a sua dignidade de vida, seu direito de existir e diminui atĂ© a sua expectativa de vida. Uma pessoa magra vĂ­tima de bullying sofre pressĂŁo estĂ©tica a todo momento apenas por existir, mas nĂŁo sofre preconceito sistĂȘmico. Pessoas magras nĂŁo sabem a sensação de nĂŁo conseguir passar na catraca do metrĂŽ por falta de estrutura, de entrar em uma loja de departamento e nĂŁo achar uma roupa que sirva ou de sofrer gordofobia mĂ©dica. Mulheres gordas sĂŁo massacradas por imagens de dietas e ouvem a todo momento que seus corpos nĂŁo deveriam existir.

Outro caso que ocorreu no SUS em SĂŁo Paulo Ă© um retrato cruel e exato da diferença entre sofrer pressĂŁo estĂ©tica e preconceito estrutural, que envolve polĂ­ticas pĂșblicas e marginalização social. Uma paciente que precisava de uma tomografia precisou ser encaminhada para o zoolĂłgico de SĂŁo Paulo apĂłs os mĂ©dicos descobrirem que os aparelhos suportam no mĂĄximo 120 quilos. No Rio de Janeiro, organizaçÔes anti-gordofobia denunciaram que hospitais da capital encaminhavam pacientes obesos para fazer exames em aparelhos utilizados em cavalos.

Precisamos problematizar o IMC

O Índice de Massa Corporal, famoso IMC, nĂŁo deve ser mais utilizado como parĂąmetro para indicativos de saĂșde e corpo. De acordo com o CDC (Centro de Controle de Prevenção de Doenças) norte-americano, o parĂąmetro jĂĄ nĂŁo deve ser mais utilizado como determinante, jĂĄ que nem todas as pessoas consideradas obesas apresentam problemas de saĂșde. Outros fatores, como questĂ”es genĂ©ticas, alteram o peso de um indivĂ­duo de uma forma que nĂŁo pode ser modificada por dietas.

Inicialmente, a obesidade jĂĄ foi classificada pela medicina moderna como doença, mas hoje as principais instituiçÔes jĂĄ sabem que existem questĂ”es sociais, psĂ­quicas, emocionais e genĂ©ticas que determinam a aparĂȘncia e saĂșde de um indivĂ­duo. Todo caso, como bem apontou Tiago Abravanel, precisa ser visto de forma individualizada para evitar estigmas e suposiçÔes. AlĂ©m da quantidade de gordura no corpo, por exemplo, fatores como racismo, pobreza, falta de acesso a ĂĄgua potĂĄvel e saneamento bĂĄsico e ausĂȘncia de acesso mĂ©dico sĂŁo determinantes inegĂĄveis da saĂșde geral de uma pessoa.

Mercado de trabalho e o que diz a lei

O "BBB22" Ă© um exemplo bem claro do tipo de representatividade que corpos gordos tĂȘm na TV: de todos os confinados, sĂł Tiago Abravanel Ă© uma pessoa gorda, e ainda muito privilegiado por ser um homem branco e milionĂĄrio. Em geral, pessoas gordas enfrentam dificuldades de representatividade em todos os lugares, especialmente no mercado de trabalho.

Uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo Catho em 2005 conversou com 31 mil executivos no mercado brasileiro, e identificou que 65% dos presidentes e diretores de empresas tinham alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas. Pessoas gordas também recebem salårios menores e costumam ter posiçÔes mais subalternas em grandes empresas.

No Brasil, a lei nĂŁo estĂĄ do lado das pessoas gordas. Embora a Constituição Federal tenha como princĂ­pio proteger a dignidade de qualquer pessoa, nĂŁo existe lei especĂ­fica para punir quem pratica gordofobia. Isso impossibilita que a pessoa gorda consiga respaldo para denunciar situaçÔes de assĂ©dio, preconceito e bullying, e marginaliza ainda mais a vida de quem nĂŁo tem o nĂșmero na balança necessĂĄrio para receber respeito.

O casamento de Jojo Todynho

A cantora Jojo Todynho celebrou seu casamento com Lucas Souza na Ășltima semana com muita alegria e fotos da festança, mas nĂŁo teve paz nem em um dia que deveria ser de pura comemoração. O militar usou sua conta nas redes sociais para comentar ataques de Ăłdio que vem recebendo desde a uniĂŁo nesta semana.

“Infelizmente devido a minha profissĂŁo eu nĂŁo posso ir para internet e expor algumas mensagens e comentĂĄrios preconceituoso que estou recebendo, minha vontade Ă© gravar um vĂ­deo expondo todo esse pessoal e rebater na altura”, começou em um comunicado. Ele ressaltou que nunca havia visto nada parecido em sua conta. “SĂŁo mensagens inacreditĂĄveis, que nunca pensei que um ser humano poderia escrever, mensagens de cunho racista e preconceituosas em relação a minha esposa, mensagens falando que eu jamais poderia me envolver com uma mulher fora dos padrĂ”es de beleza da sociedade, nĂŁo Ă© uma mensagem nĂŁo sĂŁo vĂĄrias!”, publicou.

Nem no dia de seu casamento uma mulher preta e gorda como Jojo pode celebrar sua existĂȘncia em paz. NĂŁo existe trĂ©gua para pessoas gordas no Brasil, e quanto mais marginalizado Ă© o indivĂ­duo, maior a chance de ser invisibilizado pela lei e pelo resto da sociedade. Precisamos nos perguntar porque pessoas magras sĂŁo constantemente celebradas na TV e nas redes sociais, enquanto pessoas gordas precisam justificar a todo momento que tĂȘm direito de existir.

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