Globo destaca repórteres negros na cobertura da morte de Gloria Maria

Jornal Nacional desta quinta-feira (2) colheu depoimentos de jornalistas negros de todas as praças

O 'Jornal Nacional' dedicou 50 minutos para homenagear Gloria Maria (foto: Reprodução/TV Globo
O 'Jornal Nacional' dedicou 50 minutos para homenagear Gloria Maria (foto: Reprodução/TV Globo

Resumo da Notícia:

  • Gloria Maria morreu no Rio de Janeiro em decorrência de metástase no cérebro

  • A jornalista foi homenageada no 'Jornal Nacional' por mais de 50 minutos

  • A Globo colheu depoimentos de jornalistas negros de todas as praças

Gloria Maria morreu nesta quinta-feira (2) e muitas homenagens foram dedicadas à jornalista que trabalhou cerca de 50 anos na TV. O “Jornal Nacional” dedicou 50 minutos à carioca, com o apoio de jornalistas negros da Globo Rio para contar sua história, como Rogério Coutinho e Ana Paula Santos.

Mas por todo o país, repórteres negros de várias afiliadas e emissoras proprietárias enviaram depoimentos, tendo ou não trabalhado com a pioneira. Confira os relatos:

Gabriela Dias: “A essência do trabalho da gloria é a fidelidade ao que fazia”, destacou.

Dulcineia Novaes: “Corajosa, ousada, dedicada. Ela tá deixando um vazio enorme”.

Karla Lucena: “Por meio do trabalho dela, outras pretas como eu chegaram a ocupar um espaço como o dela”.

Mariana Aldano: “A gente só sonha, quando se enxerga e lembro de ser uma menina que pegava uma banana para fazer de microfone porque queria ser como ela”.

Mariana Bispo: “Ela nos fez acreditar que podemos comunicar com excelência, com competência, com profissionalismo. Nós podemos estar onde queremos, em qualquer país, em diversas línguas e ela nos fez chegar aqui”.

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Aline Aguiar: “A imagem da Gloria na televisão transmite, a todo o momento, que a gente pode e conquista. Tenho certeza que temos várias Glorias Brasil à fora”.

Fabiana Almeida: “Ela era ética, tinha fontes importantes e entrou em lugares que brancos não entraram. Ela tinha esse acesso pela pessoa que era”.

Flavia Oliveira: “Estou em Salvador, onde nasceram as filhas de Gloria, as herdeiras de Gloria, duas. Mas ela tem muito mais, todas no4s, mulheres negras jornalistas, somos herdeiras do que ela fez pelo jornalismo brasileiro”.

Zileide Silva: “Se hoje sou uma mulher negra, preta, que cubro política no Congresso, devo a Gloria. Além de abrir este espaço, ela mostrou que podemos e temos o direito de ocupar este espaço”.

Pedro Lins: “Ela mostrou que este lugar também nos pertence. E nos ensinou que a vida, apesar de todas as dificuldades que a gente enfrenta, deve ser vivida com força, coragem e um sorriso no rosto”.

Alexandre Henderson: “Olhava para ela na tela e dizia: ‘é possível’. A Gloria deixa uma importância no imaginário porque era muita representatividade em um momento que estávamos ávidos. A gente queria se ver”.

Fred Ferreira: “Mais do que falar, ela mostrou claramente que é possível estar onde a gente quiser independentemente da cor da nossa pele”.

Aline Midlej: “A Gloria sempre foi minha referência. A gente uma vez conversou, se fortaleceu como as mulheres pretas fazem quando se encontram para continuar a caminhada. Guardo um desejo, que não foi possível realizar nesta existência, que é perguntar como ela conseguiu passar por tanta coisa. Mesmo não sabendo que tanta coisa era essa, mas sei que foi muita”.

Marcelo Pereira: “Não ter medo de falar, falar com o coração. Estar ali, pronta, para qualquer situação. Para qualquer momento. Para compartilhar as boas experiências e as dificuldade. Que nada é fácil, mas é possível”.

Márcio Bonfim: “A Gloria Maria abriu caminhos de oportunidades para gerações de jornalistas. Sempre com um jeito humilde e único de fazer perguntas e respeitar o entrevistado”.

Lilian Ribeiro: “Gloria Maria já era uma mulher preta mostrando competência, beleza e liberdade no horário nobre da TV. Ela ocupou espaços, abriu portas e cativou a admiração de muita gente que se viu nela na tela da televisão’.

Maju Coutinho: “A primeira vez que a encontrei foi em um prêmio e comecei a chorar, ela me abraçou. A gente se emocionou. Eu e outros colegas somos sementes da Gloria. Ela veio, foi intensa, abriu portas, viveu e hoje vive em mim”.

Relembre a carreira de Gloria Maria

Gloria era um das jornalistas mais importantes do Brasil e estreou na televisão em 1971 durante a cobertura de um dos maiores desastres da história do Rio de Janeiro: a queda de parte do elevado Paulo de Frontin. “Quem me ensinou tudo, a segurar o microfone, a falar, foi o Orlando Moreira, o primeiro repórter cinematográfico com quem trabalhei”, disse em depoimento ao Memória Globo.

Desde então a jornalista não parou mais e teve uma carreira meteórica por conta de sua espontaneidade em reportar os fatos da cidade. Sempre contratada da TV Globo, ela trabalhou como repórter nas redações do “Jornal Hoje”, “Bom Dia Rio” e “RJTV” no começo da trajetória.

Gloria foi a primeira repórter negra a entrar em um link ao vivo no “Jornal Nacional”. Também cobriu a posse do presidente Jimmy Carter, em 1977, e entrevistou presidentes militares durante a ditadura. O temido João Baptista Figueiredo foi um deles e entrou para o currículo da profissional.

“Foi quando ele [João Figueiredo] fez aquele discurso ‘eu prendo e arrebento’ – para defender a abertura (1979). Na hora, o filme acabou e não tínhamos conseguido gravar. Aí eu pedi: ‘Presidente, é a TV Globo, o ‘Jornal Nacional’, será que o senhor poderia repetir? Problema seu, não vou repetir’, disse Figueiredo a Gloria. Ela ainda lembra que ele mandava, com termos racistas, sua segurança impedir a aproximação da repórter.

Passaporte carimbado

Gloria Maria na Holanda. (Foto: Globo/Divulgação)
Gloria Maria na Holanda. (Foto: Globo/Divulgação)

Uma das marcas da carreira de Gloria Maria são as viagens ao redor do mundo. Ela já preencheu mais de oito passaportes com carimbos de imigração dos países que passou e essa trajetória começou em 1986 quando integrou o time do “Fantástico”.

Além das viagens para exibir belezas do mundo e coisas excêntricas, ela também era requisitada para entrevistar artistas famosos como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna. “Saí daqui e diziam que a Madonna era difícil. Foi antipaticíssima com a Marília Gabriela e debochou do seu inglês”.

Informada que teria quatro minutos com a artista, ela jogou com o improviso e ganhou a estrela. “Olha, Madonna, eu tenho quatro minutos, vou errar no inglês, estou assustada, acho que já perdi os quatro minutos”, afirmou e a artista respondeu: “Dê a ela o tempo que ela precisar.”

Além de cobrir viagens e celebridades, ela também teve momentos na história do mundo na sua história como: a guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998).

Gloria Maria Matta da Silva nasceu no Rio de Janeiro. Filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta, estudou em colégios públicos onde obteve sua formação cultural: “Estudei inglês, francês, latim e vencia todos os concursos de redação da escola”. Em 1970, foi levada por uma amiga para ser rádio-escuta da Globo do Rio. Gloria também chegou a conciliar os estudos na faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) com o emprego de telefonista da Embratel. Na Globo, tornou-se repórter numa época em que os jornalistas ainda não apareciam no vídeo.