No STF, novela Lula x Moro ganha enredo de novela e reviravolta
Aos poucos começam a se clarear as implicações e prováveis motivações da decisão do ministro Luiz Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações do ex-presidente Lula na 13ª Vara Federal de Curitiba sob o argumento de que não ali não era o foro competente para o julgamento.
Como explicou o advogado Fernando Hideo Lacerda à coluna, Fachin anulou as sentenças de Sergio Moro, mas deixou aberto o caminho para uma possível condenação do petista na Justiça Federal do Distrito Federal, para onde o caso migrou. Isso porque a fase de instrução foi preservada pela decisão, o que significa que as provas ainda colhidas pela força-tarefa podem ainda ser aproveitadas. Com isso, o futuro juiz, ou juíza, poderia referendar as decisões do titular da vara curitibana, afastada a tese da imparcialidade.
No dia seguinte o ministro Gilmar Mendes, talvez atento à estratégia, pediu truco. Disse que a mudança de endereço da ação não extinguia o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente pedindo a suspeição do algoz. E pautou o julgamento da suspeição para o dia seguinte.
Na primeira vez que os ministros da Segunda Turma do STF analisaram o caso o petista não conseguiu o que queria. Hoje a coisa mudou. Não só porque tem novo ministro no colegiado, mas por causa da hecatombe provocada pela Vaza Jato.
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Indicado por Jair Bolsonaro à corte, Kassio Nunes Marques pediu vistas e deixou em suspenso o caso. Será dele o voto que vai reabilitar os direitos políticos da principal ameaça à reeleição do atual presidente?
Não necessariamente.
Em seu voto, Gilmar Mendes bateu de mão fechada nos missivistas do Telegram —integrantes, segundo o ministro, de “um projeto populista de poder político cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, na deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um juiz subserviente a um ideal feroz de violência às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa humana”. A descrição, afirmou Mendes, não se referia apenas a uma cadeia de atos lesivos ao compromisso de imparcialidade, mas às condições para o surgimento e do funcionamento do “maior escândalo judicial da nossa história”.
O ministro, que parece ter lido e relido com paciência as mensagens hackeadas e captadas na Operação Spoofing, disse que não se combate o crime cometendo crime. E, num recado direto ao ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, defendeu que “ninguém pode se achar o ‘ó do borogodó’”.
Segundo Mendes, Moro interferiu “reiteradas vezes” na produção de provas contra os acusados, direcionou o curso das investigações, manipulou depoimentos de colaboradores premiados, e atropelou as atribuições do Ministério Público ao fundamentar suas decisões.
Mendes não demonstrou tal indignação quando Moro divulgou os grampos de Lula com a então presidenta Dilma Rousseff e barrou sua nomeação para a Casa Civil cinco anos atrás.
Hoje indignado, seu entendimento foi seguido, sem a mesma verve, pelo ministro Ricardo Lewandowski.
A Segunda Turma do STF é composta por cinco membros. Na primeira vez que se debruçou sobre o pedido, ainda em 2018 —e antes, portanto, da Vaza Jato— a suspeição de Moro foi rejeitada por Edson Fachin e Carmen Lúcia. Placar parcial: 2 a 2.
Mas, pela troca de afagos, ontem, entre Carmen Lúcia, Lewandowski e Gilmar Mendes, é possível especular que haverá novidades em seu entendimento após quase três anos. A ministra já disse que pretende falar após o voto de Kassio Nunes ao fim do pedido de vista —que não deve demorar, segundo ela.
Carmen Lúcia é uma das autoridades citadas nas mensagens trocadas pelos integrantes da Lava Jato. Em 2018, quando um juiz de plantão no Tribunal Federal Regional da 4ª Região mandou soltar o ex-presidente, ela teria orientado, por baixo dos panos (e dos autos), os procuradores a manter a prisão.
Pode vir justamente dela, sujeito e objeto, em parte, da análise das mensagens, o voto de minerva.
Isso se o caso não for para o Plenário, como quer o presidente da Corte, Luiz Fux.