Gabriela Pugliesi: pra quê serve um influenciador em tempos de crise?

Gabriela Pugliesi (Foto: Reprodução)
Gabriela Pugliesi (Foto: Reprodução)

"Eu tenho que ter responsabilidade sobre o que eu faço, sobre o que eu posto, sobre o que eu falo". Essa foi uma das falas de Gabriela Pugliesi em um vídeo no qual pedia desculpas por ter dado uma festa em casa em plena pandemia de coronavírus.

No último sábado (25), Gabriela recebeu amigos, como a ex-BBB Mari Gonzalez, recém-eliminada do reality, e publicou nas redes sociais imagens do evento. Não muito tempo depois, o Twitter foi bombardeado de críticas ao comportamento da influencer, que recebeu até um comentário da vizinha no Instagram, reclamando do barulho - que não parou até as 07h da manhã.

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Gabriela é uma das pessoas que, até agora, se recuperam completamente do coronavírus. A influencer contraiu a doença durante o casamento da irmã, Marcella, quando um dos padrinhos, que tinha acabado de voltar de viagem do exterior já infectado, transmitiu o vírus para os demais convidados.

O caso nos faz questionar, mais uma vez, se cansamos dos influenciadores, uma bola levantada pelo jornal norte-americano The New York Times. Afinal, dentre milhões de seguidores e patrocínios milionários, o desserviço parece ter se tornado via de regra quando o assunto são pessoas muito influentes.

No caso de Gabriela, o que ficou claro para os seus seguidores (e para o restante da internet) é a falta de empatia e a desinformação. Recuperada da doença, a influenciadora assumiu que não teria problema em dar uma festa com outros convidados na sua casa, quebrando as recomendações dos órgãos internacionais de saúde.

A desculpa de que agora ela está imune é também algo a ser questionado. Segundo a própria OMS, não existe comprovação científica de que pacientes que se curaram da doença estão permanentemente imunes à ela. O que significa que existe a possibilidade da pessoa recuperada não só adquirir novamente coronavírus, como transmitir a doença para outras pessoas.

Em um momento de crise, cometer um erro tão grave como esse é, de fato, questionável. Enquanto o povo brasileiro ainda se mantém confuso sobre a melhor forma de agir diante da doença - uma vez que boa parte da luta contra ela tem sido mascarada pela discussão política -, ignorar orientações dos órgãos de saúde é, sim, uma irresponsabilidade. Principalmente quando milhões de pessoas assistem aos seus Stories.

Entendendo a influência

Segundo Maria Francisca Mauro, médica especialista em Psiquiatria pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), existem dois tipos de influência. O primeiro é mais direto e acontece quando a pessoa associa claramente a sua ação ou desejo a algo que alguém realizou. Por exemplo: quando várias pessoas começam a usar uma mesma peça de roupa ou a ler um mesmo livro por conta de outra pessoa. "A forma de se posicionar é se comparando ao que as outras pessoas estão realizando e, assim, surge uma 'vontade' imediata para pertencer ao que está acontecendo", explica.

No segundo caso, a influência é um processo mais reflexivo, em que o pensamento de alguém é desencadeado por uma série de imagens e pensamentos. "A pessoa vai consumindo as informações e as processa dentro de uma vontade que assume como dela", diz. "A pessoa constrói uma opinião a partir de um conjunto de dados."

Para a psiquiatra, ninguém está imune à influência. Mas há uma maneira de saber, exatamente, de que forma usufruir dela: "O que se faz necessário, num cenário de tanto consumo por informação, é ter maior crítica quanto ao que aquilo está desencadeando em meu emocional".

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É, de fato, uma cadeia de pensamentos, emoções e influências. Por isso que as atitudes de Gabriela ganham um holofote ainda maior, porque, sendo acompanhada por tanta gente ao mesmo tempo, é ingenuidade acreditar que essas ações não tenham um reflexo do outro lado.

Não à toa, famosos como Tatá Werneck decidiram se pronunciar sobre o caso. "É tão triste ver uma hipocrisia que pode matar", disse Tatá, também no seu perfil oficial do Instagram, explicando ainda que começaria a expor nas redes sociais pessoas do seu círculo social que, como Pugliesi, estão furando a ordem de isolamento social sem motivo.

O rapper Emicida também falou sobre o caso durante a sua live no último domingo (27). "Queria dar um salve na nossa amiga Gabriela Pugliesi, que fez uma festa esses dias. Você, garota, ficou conhecida pela alimentação saudável, por fazer exercícios, cuidar da saúde. Neste momento, ter uma atitude irresponsável como essa... parece que você não interpretou o significado do que é ser influenciador".

Afinal, pra quê serve um influenciador?

De acordo com Maria, os influenciadores surgiram no contexto das redes sociais com o objetivo de aproximar as pessoas consideradas "comuns" de um ideal de consumo. O seu nicho de mercado tem tudo a ver com criar um elo de identificação com o consumidor, algo que a televisão não consegue fazer com tanta facilidade.

Com isso em mente, o papel desse profissional pode variar. Seja desencadear um consumo imediato de um produto, vender a ideia de um estilo de vida ou gerar um pacto no que diz respeito ao planejamento financeiro ou de carreira de alguém, além de fortalecer uma marca.

"Independentemente do objetivo específico de cada um, o que está em cena neste contexto é provocar uma conexão de consumo, opinião ou mesmo identificação. No cenário que estamos vivenciando, isto se torna precioso. Aos que já atingiram seu lugar de destaque como 'autoridade da internet', este pode ser um momento de levar alguma informação de valor ao seu seguidor", continua a psiquiatra.

E é aqui que a conversa fica mais profunda. A ideia não é aumentar o volume da cultura do cancelamento, mas questionar a necessidade de dar influencia a pessoas que se mantém presos a essas fórmulas antigas e reconsiderar o seu papel em um contexto como o atual. "Aos que insistirem nas velhas fórmulas de ostentação ou sem consistência, serão por muitos criticados e perderão suas métricas de sucesso. Assim, mediante nosso contexto atual, o papel do 'influenciador' assume um destaque de papel social, no qual exige maior responsabilidade com seus seguidores mediante ao que compartilha", diz Maria.

Aliás, por se manterem nesse lugar, Gabriela e outras influenciadoras que estavam na festa já estão sofrendo as consequências de seus atos perdendo patrocínios de marcas como Live-Up, Seara, Hope e Rappi. Falando especificamente de Pugliesi, a sua conta no Instagram perdeu em torno de 150 mil seguidores desde o acontecido - e, no momento em que esta matéria foi publicada, o perfil foi retirado da internet.

E o impacto da influência?

Com isso, não dá para ignorar o impacto da influência e deixar de questionar o papel de pessoas de grande alcance em um momento como o que vivemos agora. Na Finlândia, por exemplo, a primeira-ministra Sanna Marin fechou uma parceria com influenciadores nas redes sociais para abrir um canal direto de informações confiáveis com as pessoas que, como ela bem sabia, não assistem TV ou leem os jornais com frequência.

Por aqui, enquanto vemos muitos influencers trabalhando, sim, pelo movimento #FiqueEmCasa e seguindo as orientações dos órgãos de saúde, vemos tantos outros de grande alcance desconsiderando completamente cada uma delas. É mais uma prova da desconsideração pelos outros e da falta de pensamento coletivo que vemos no Brasil.

"O impacto das ações pode ser desde uma visualização, sem desdobramentos, até mesmo desconforto emocional e comportamentos de risco aos seus seguidores", diz Maria. "Mediante a pandemia do COVID-19, muitas pessoas estão consumindo mais conteúdo das mídias sociais, seja para obter informação para se proteger ou mesmo como entretenimento. Ao se defrontar com conteúdos que provoquem desconforto emocional, ou sejam incoerentes para a realidade que estamos vivenciando, podem se desencadear reações de ataque a este influenciador de forma mais intensa".

Ou seja, não adianta usar apenas as estratégias de autopromoção que vimos até agora - e que saturaram muito o mercado. O momento é de um posicionamento responsável, com propósito, e que gere um relacionamento que, em tempos de mudança, incentive as pessoas a buscarem, juntas, uma solução.