Final injusto? Maria Bruaca mostrou o verdadeiro Brasil em "Pantanal"
Maria Bruaca (Isabel Teixeira) e Alcides (Juliano Cazarré) ficarão juntos no final de "Pantanal". O desfecho foi mudado pelo autor Bruno Luperi após a pressão do público nas redes sociais. Não foram poucos os comentários sobre o sofrimento excessivo da personagem que chegaria ao último capítulo sozinha. Alguns chegaram a pedir uma "trégua", pois estava difícil lidar com os gatilhos.
Embora se trate de uma obra ficcional, "Pantanal" abordou problemáticas atuais e escancarou o quanto o país ainda é machista, misógino, preconceituoso. Isso explica o sucesso da personagem. Milhares de mulheres se identificaram com a trajetória dela. Homens se reconheceram como abusadores a partir das atitudes de Tenório (Murilo Benício). Podemos dizer, portanto, que a novela cumpriu seu papel social.
Na trama, Maria Bruaca comeu o pão que o diabo amassou no casamento com Tenório. O grileiro a traía, tratava mal, explorava. Nada longe da realidade de tantas famílias brasileiras. Quando Maria descobriu que o marido tinha uma segunda família, a revolta fez com que ela se libertasse. Antes disso, no entanto, houve um processo doloroso: muitas dúvidas, angústias, culpa, arrependimento, julgamento.
Alcides seria apenas um instrumento para a vingança da mulher contra Tenório, mas a fez entender o que é o amor. Nesse ponto, a novela até pareceu um conto de fadas. O público passou a torcer pelo casal, vibrar com as declarações e manifestações de carinho de Alcides, sonhar com as cenas deles juntos e longe do vilão. A vida, porém, está aí para lembrar que finais felizes não são comuns.
A última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que houve pouca variação no número de feminicídios no Brasil de 2020 para 2021: foi de 1.354 vítimas para 1.341 no ano passado, uma diminuição de 1,7%. Os dados dão conta de que uma mulher é vítima de feminicídio a cada 7 horas no Brasil, o mesmo que dizer que 3 mulheres morrem no país por sua condição de gênero a cada dia.
Assim como Bruaca, nem todas morrem no sentido literal, mas perdem seus sonhos, a vontade de viver, a esperança. Não é fácil recomeçar após um casamento conturbado e marcado por violências, principalmente para as mães. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11 milhões de mulheres criam seus filhos sem a ajuda de um companheiro e o mercado de trabalho é implacável: 49% disseram já ter tido dificuldade para conseguir emprego por serem mães.
Como na vida real, Alcides não foi um salvador da pátria para Maria Bruaca depois de tanto sofrimento. Ele foi uma esperança, mas antes disso ela lutou e descobriu que seguirá lutando sozinha. A violência que o peão sofreu (ao ser estuprado por Tenório) poderia ter sido evitada na novela. Por outro lado, além de mostrar até onde um abusador pode chegar, a sequência só reforçou aquilo que já sabíamos: a vida é difícil, cruel e ainda mais injusta com as mulheres. Quando Bruaca achou que teria seu final feliz, um balde de água fria chegou para mostrar que não vai ser agora. E se não fizermos nada, quantas Marias ainda terão seus finais felizes adiados?
Em outubro, Isabel Teixeira já refletia sobre a missão da personagem. A atriz chegou a declarar a importância da personagem se encontrar sem que um homem tivesse que salvá-la. "Pra mim, a Maria Bruaca acaba, nessa novela, com ela mesma. Quando a gente se encontra com a gente mesma, podemos estar com alguém. Isso pra mim é a busca dela", disse a atriz em entrevista ao "Mais Você".
Cria do teatro, Isabel ainda acredita que Maria Bruaca, além de transmitir tantas mensagens importantes, ajudou a combater o etarismo. Quase com 50 anos, a atriz comentou que tem visto um aumento na sororidade entre mulheres quando o assunto é envelhecimento, e que finalmente se sente bem com o próprio corpo.
"Tem dias que eu me sinto com 100 anos e em outros tenho uma energia de 20. Mas sou muito suspeita, porque estou gostando demais de envelhecer. Mas queria que tivesse até outra palavra que não fosse 'envelhecer' nem 'amadurecer', porque eu me sinto muito bem com a idade que tenho. Eu não me sentia bem na década de 90, aos 20 anos, por exemplo. Achava que eu tinha que passar um gel na bunda para minha celulite sair, que minha sobrancelha tinha que ser um fiapo... Um monte de coisa que na verdade não era eu quem achava", explicou em entrevista à "Vogue".