Cloroquina é o "emplastro Brás Cubas" de Jair Bolsonaro
Como Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, Jair Bolsonaro parece ter descoberto uma invenção sublime, capaz de aliviar nossa melancólica humanidade em tempos de quarentena. A todo custo, tenta fazer da cloroquina o que foi o biodiesel (e, depois, o pré-sal) para Luiz Inácio Lula da Silva, o trem-bala para Dilma Rousseff, o frango barato para Fernando Henrique Cardoso e o Fusca para Itamar Franco. É do jogo.
Mas, depois de um ano botando terror na comunidade científica, vem dela o que no futuro alguns analistas já veem cair na boca do povo como o “remédio do Bolsonaro”. A aposta é alta: ao fim da quarentena, com a economia em frangalhos no colo dos governadores que optaram pela medida draconiana do isolamento social, se o medicamento tiver eficácia comprovada ele poderá bater no peito e levantar uma placa no estádio (vaio) dizendo: “eu já sabia”.
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A mensagem chega em um momento em que, aqui e ali, aumentam os relatos de incômodos com a vida limitada dentro das casas, embora na mais recente pesquisa Datafolha 76% dos entrevistados tenham manifestado apoio ao isolamento.
Em seu último pronunciamento em rede nacional, o quinto desde o início da crise, Bolsonaro levou à TV um meio termo entre a versão de dentes afiados que chamava o coronavírus de “gripezinha” e o rapaz de bons modos que via diante de si o maior desafio de nossa era.
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Este meio-termo só faltou cunhar a hidroxicloroquina com o nome de “emplastro Bolsonaro”, numa referência ao protagonista de “Memórias Póstumas”.
Na obra, o personagem escreve uma petição chamando a atenção do governo para o resultado “verdadeiramente cristão” do medicamento. Em público, Brás Cubas não se cansava de anunciar as “vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos”. Parece alguém?
Do lado de lá da vida, porém, o defundo-autor admitia: “o que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas o seu nome e sobrenome nas caixinhas do remédio. “Minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.”
A versão do personagem machadiano em 2020 fala agora como pai dos pobres, preocupado com o desemprego e os efeitos da paralisação na atividade econômica. O messias tem fé na cura antes dos cientistas. Como seu congênere, é atraído pela multidão, pelo gosto de luzir e enamorado dos aplausos, principalmente os que vêm do cercadinho do Planalto.
Na ficção, como todos sabem, o remédio anti-melancolia não veio e levou seu idealizador a se queixar: “Divino emplasto, tu me darias o primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza, porque eras a genuína e direta inspiração do Céu”.
O caso determinou o contrário. E, como previu o Machado, seguimos ainda eternamente hipocondríacos. E melancólicos, à espera do milagre.
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