Elza Soares morre aos 91 anos no Rio de Janeiro
A cantora Elza Soares morreu aos 91 anos nesta quinta-feira (20), no Rio de Janeiro, de "causas naturais". A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa da cantora em suas redes sociais.
"É com muita tristeza e pesar que informamos o falecimento da cantora e compositora Elza Soares, aos 91 anos, às 15 horas e 45 minutos em sua casa, no Rio de Janeiro, por causas naturais", diz o anúncio.
"Ícone da música brasileira, considerada uma das maiores artistas do mundo, a cantora eleita como a Voz do Milênio teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre na história da música e em nossos corações e dos milhares fãs por todo mundo. Feita a vontade de Elza Soares, ela cantou até o fim", finaliza o comunicado, assinado por Pedro Loureiro, Vanessa Soares, familiares e Equipe Elza.
Antes de morrer, Elza Soares declarou apoio para Linn da Quebrada no BBB: “Te amo”
O velório da cantora Elza Soares será no Theatro Municipal do Rio de Janeiro na sexta-feira (21), das 8h às 10h será fechado para familiares e amigos e das 10h às 14h será aberto ao público.
O translado para o cemitério Jardim da Saudade de Sulacap será feito pelo carro do Corpo de Bombeiros com trajeto passando pela Av. Atlântica. O velório no cemitério, assim como o enterro, serão restritos aos familiares e amigos.
Em dezembro, Elza havia testado positivo para a Covid-19, mas por estar com as três doses da vacina, ficou assintomática.Em suas redes, ela fez um apelo para as pessoas.
"Você precisa escutar isso. Foi um susto pavoroso, mas ao mesmo tempo passei sem sintomas e venci o vírus. Eu tive Covid e as vacinas salvaram a minha vida. Fiz questão de gravar esse depoimento, de mostrar meu exemplo e pedir para que todos se vacinem. Essa doença horrorosa é muito perigosa", pediu.
Elza exaltou o poder da ciência, e ressaltou o fato de ter sobrevivido sem sequelas mesmo fazendo parte do grupo de risco.
Carreira
Elza Soares nasceu em 1937, na favela Maria Bonita, no Rio de Janeiro. Filha de um operário e de uma lavadeira, lutou para sobreviver antes de ser reconhecida como grande artista. Aos 12 anos, foi obrigada pelo pai se casar e, um ano depois, teve o seu primeiro filho, João Carlos.
Ao todo, Elza deu à luz a nove crianças. Cinco delas morreram - três de fome. A sua carreira teve início aos 16 anos, em 1953, quando participou do programa “Calouros em desfile”, de Ary Barroso, na Rádio Tupi, e ganhou o primeiro lugar. Com a visibilidade, ela conseguiu um emprego como crooner na Orquestra Garam de Bailes, do maestro Joaquim Naegli.
Ela trabalhou por um ano com Naegli - até ficar grávida. Porém, logo após ser liberada pelos médicos após o parto, Elza voltou a trabalhar com arte - sendo escalada para contracenar com Grande Otelo na histórica peça “Jour-jou-Fru-fru”, de Silva Filho. Após sair de cartaz, ela acompanhou a Companhia de Mercedes Batista em uma turnê na Argentina.
O seu primeiro disco de estúdio, "Se acaso você chegasse”, foi lançado logo após ela retornar ao Brasil, em 1959, pela Odeon. Com o sucesso da música-título, composta por Lupicínio Rodrigues, ela começou a ganhar reconhecimento e fama pelo Brasil. A sua vida, porém, mudaria, definitivamente, em 1962.
Representando o Brasil na Copa do Mundo no Chile, ela conheceu Garrincha, com quem viveu um romance intenso e conturbado. Os dois se casaram em 1966 e só se separaram em 1982, após seguidas traições do jogador, que sofria com o alcoolismo. Durante o relacionamento, bastante acompanhado pela mídia, elas chegaram até a ser alvos do DOPS, órgão repressivo da ditadura militar.
Em entrevista ao "Programa do Porchat", a artista explicou porque ela e Garrincha precisaram se mudar de casa no Rio de Janeiro após um ataque até hoje mal esclarecido.
“Nós estávamos dentro da casa (na hora do ataque). Eu morava no Jardim Botânico e brincava com as crianças na rua. Depois, entramos e começamos a ouvir um barulho de tiroteio. Minha casa foi toda baleada. Fiquei completamente apavorada por causa dos filhos, das crianças", contou ela.
Sucessos
Entre os seus grandes discos, destacam-se "Sambossa", do sucesso "A corda e a caçamba"; “Na roda do samba”, de 1964, quando gravou os sucessos "Pressentimento" e "Princesa Isabel"; e "Lição de Vida", (relançado no ano passado), de 1976, lembrado pela mais icônica faixa da sua carreira: "Malandro", composta por Jorge Aragão e Jotabê.
Mais recentemente, Elza Soares lançou um clássico da música contemporânea, "A Mulher do Fim do Mundo", de 2015. Com a companhia de alguns dos compositores mais importantes da atualidade, como Kiko Dinucci, Douglas Germano, Rodrigo Campos e Rômulo Fróes, a cantora renovou o seu público, lotou shows pelo Brasil e ganhou o Grammy Latino 2016 na categoria Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.
O seu último trabalho de estúdio foi "Planeta Fome", de 2019, na qual a cantora divaga e tenta adivinhar o futuro. Mesmo olhando para a frente, ela parece olhar para toda a sua vida e carreira na faixa "Virei o jogo".
Nunca arreguei/Quando tropecei, sempre me ergui/Já quebrei a cara/Enfrentei as feras, nunca me rendiUm resumo de uma trajetória de uma cantora obstinada a fazer história
Mesmo dia que Garrincha morreu
Curiosamente, Elza Soares deixa o mundo no mesmo dia que Garrincha - ele faleceu em 20 de janeiro de 1983. Mas a sua trajetória não pode ser resumida ao romance. Eleita a "melhor cantora do milênio" pela BBC, em 1999, Elza Soares construiu uma carreira digna de aplausos e reverências nacionais e internacionais e se manteve relevante artisticamente mesmo depois dos 90 anos.
Fuga e fúria na década de 1960
Foi em 1963 que Elza lançou uma música que, à época, foi vista como polêmica. Em “Eu sou a Outra", ela falava sobre o romance com o então astro do futebol Mané Garrincha, que era casado. A música enfureceu a sociedade conservadora do país e o romance foi considerado um verdadeiro escândalo. Entre uma relação extra-conjugal, o fim do casamento de Garrincha e o casamento do jogador com Elza, a sua imagem sempre foi de vilã. Enquanto isso, crescia no país a força da ditadura militar e a perseguição dos artistas, que fazia a oposição em peso. Sua mansão com o astro do futebol acabou sendo metralhada no processo e, com medo, os dois decidiram se autoexilar em Roma, na Itália, onde viveram por 6 anos.
Feminismo
Elza Soares sempre foi considerada um ícone do feminismo. Não por acaso. A cantora conseguiu dar a volta por cima, mesmo após ter uma infância e adolescência difíceis, além de ter sofrido ao longo de seu casamento com Garrincha, alcoólatra, abusos físicos e morais.
O discurso contra a violência doméstica não surgiu do nada. Ao falar de Garrincha, Elza gostava só de lembrar dos momentos felizes, mas é fato que a história do casal foi repleta de altos e baixos.
Infância e adolescência roubadas: casamento aos 12 e fome
Aos 12 anos, Elza foi obrigada a se casar pela primeira vez, a mando do pai, após ter sofrido uma tentativa de abuso sexual por Lourdes Antônio Soares, amigo da família.
O objetivo do matrimônio era "não manchar sua honra", como dizia o pai. Ela se tornou mãe aos 13 e passou a se dedicar a isso, mesmo com todas as dificuldades. Dos sete filhos que teve ao longo da vida, perdeu 3, sendo que dois, ao que contam os relatos, foram de fome.
Quando viu dois filhos acamados por pneumonia, sem dinheiro para comprar os remédios, ela se inscreveu escondida da família no programa musical de Ary Barroso na Rádio Tupi. Ao ser questionada de onde vinha, ela disse, sem pensar duas vezes: “Do planeta fome". Sua participação lhe rendeu um prêmio em dinheiro, imediatamente convertido em remédios para os filhos. Um deles reagiu à medicação e o outro, infelizmente, morreu. A cantora ficou viúva aos 21 anos, quando Antônio Soares morreu de tuberculose.
Em 1962, ela conheceu, então, Garrincha. O jogador era casado e Elza foi esculachada pela opinião pública pelo relacionamento. Quatro anos depois do namoro, oficializaram a união, que foi motivo de revolta para os fãs e a imprensa, que acusaram Elza de ter acabado com o casamento do futebolista. A perseguição chegou a tal ponto que Elza foi impedida pela multidão de realizar um show na Mangueira e teve de sair disfarçada para escapar do público.
O relacionamento de 16 anos com o jogador foi cheio de abusos físicos e psicológicos da parte dele, principalmente quando estava alcoolizado. A cantora ainda perdeu a mãe em um acidente de carro enquanto o jogador dirigia alcoolizado. A relação ficou abalada e os dois viveram um tempo separados antes de reatarem a relação. O casamento terminou oficialmente em 1982, por conta do comportamento abusivo e violento do jogador, que morreu um ano depois de cirrose.
Djamila Ribeiro, Agnes Nunes, Ronaldo Fraga, Luedji Luna, Zabele, Thelminha, Erika Hilton, Fernanda Gentil, Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Alice Wegmann, Preta Rara e outras diversas celebridades lamentaram nas redes sociais a morte de Elza Soares, aos 91 anos, nesta quinta-feira (20).