Dan Stulbach analisa machismo em personagens na Globo

*Arquivo* SÃO PAULO, SP, 02.03.2020 - O ator Dan Stulbach. (Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)
*Arquivo* SÃO PAULO, SP, 02.03.2020 - O ator Dan Stulbach. (Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dan Stulbach, 52, jĂĄ teve sua cota de homens tĂłxicos na televisĂŁo. Em 2003, ele pautou o debate nacional sobre o tema como o Marcos de "Mulheres Apaixonadas" (Globo). Ficaram no imaginĂĄrio popular as cenas na qual o personagem agredia a prĂłpria mulher, Raquel, vivida por Helena Ranaldi, com uma raquete de tĂȘnis.

Em "Filhas de Eva", sĂ©rie disponĂ­vel no Globoplay e que chega Ă  TV aberta nesta terça-feira (12), seu personagem, Kleber, Ă© bem mais sutil. PorĂ©m, se por um lado nĂŁo hĂĄ violĂȘncia fĂ­sica, as diversas microagressĂ”es do dia a dia fazem dele um companheiro longe do ideal para LĂ­via, interpretada na trama por Giovanna Antonelli.

O ator admite que os dois papĂ©is tĂȘm alguns elementos em comum. "HĂĄ semelhanças no sentido do egoĂ­smo, da autorreferĂȘncia constante, da dificuldade de ouvir o outro e sĂł pensar em si, do machismo, de querer se impor, de ter uma estrutura de relacionamento onde isso de autoalimentava", afirma Ă  reportagem. "É uma equação muito triste."

Ao longo da trama, Kleber vai trilhar um caminho que Marcos jamais ousaria. "De alguma maneira, ele quer mudar, ele entende que estĂĄ errado", adianta o ator. "O Marcos nĂŁo se entendia, muito pelo contrĂĄrio, ele achava que o mundo estava errado, e nĂŁo ele."

Para o ator, é esse ponto é fundamental para entender esses dois homens. "As pessoas acham que mudar de ideia é um sinal de fraqueza", lamenta. "Essa incapacidade de mudança acho que é uma diferença entre os dois personagens."

Na série, Kleber e Lívia são ambos psicólogos. Quando ela é convidada para dar entrevista em um programa de TV, ele desdenha. Isso faz com que a mulher desista de participar. Kleber acaba ocupando a vaga dela e ainda colhe os louros por conceitos que ela criou a partir de sua pråtica clínica.

Antonelli conta que nunca passou por uma situação como a de Lívia, de se anular por causa de um homem. Porém, ela då um conselho para quem estå passando por uma situação assim. "Diria [a essa pessoa] que a liberdade não tem preço", afirma. "Quebrar paradigmas, contrariando o senso comum, é bom demais!"

A atriz antecipa que a personagem passarå por uma grande transformação depois que a mãe dela, Stella (Renata Sorrah), pedir o divórcio do pai. "A partir daí, o mundo de Lívia também começar a ruir, os castelos que ela criou vão desmoronando e suas fichas começam a cair", diz. "Suas inseguranças e fraquezas vão se transformando em força e aprendizado."

O casal, porĂ©m, tem outro obstĂĄculo a superar. É que Kleber se envolve com ClĂ©o, personagem de Vanessa GiĂĄcomo, que vira amiga de LĂ­via e nĂŁo sabe que os dois sĂŁo casados. Apesar disso ocorrer em um momento de extrema vulnerabilidade para a mulher, Stulbach acredita que hĂĄ espaço para um final feliz entre eles.

"Sempre hå", avalia. "O tamanho dos traumas e a profundidade e o aprendizado que a gente tem deles fazem com que, às vezes, a gente encontre a felicidade separados, e às vezes voltando, mas numa nova formação; e, às vezes ainda, numa 'nova velha' formação, porque a gente não consegue escapar daquela velha estrutura em que estava antes."

"A felicidade nesse caso Ă© absolutamente relativa", diz. "Às vezes pode ser um simples bem-estar e, outras vezes, pode ser uma absoluta evolução, mas alguma evolução sempre hĂĄ. No caso deles dois, eu acho que sim, porque hĂĄ um aprendizado, uma mudança, dos dois lados."

O ator disse que a experiĂȘncia de participar de uma produção com um olhar tĂŁo feminino foi enriquecedora. "O aprendizado de poder enxergar a partir de um outro olhar, outro ponto de vista, Ă© algo que arte te proporciona, como leitor, espectador e como ator tambĂ©m, porque a gente vive aquilo realmente", celebra.

Ele conta que, no caso de personagens como o dele, um homem a princípio tóxico, é preciso cuidado para não julgå-lo, o que pode gerar uma tentativa --mesmo que inconsciente-- de tentar transformå-lo em alguém melhor do que realmente é. Especialmente quando a postura de criador e criatura são diametralmente opostas.

"Então, hå o aprendizado da pessoa e o aprimoramento do trabalho do ator, que são dois caminhos absolutamente diferentes", compara. "No sentido de que eu quero, defendo, partilho de um mundo melhor, com condiçÔes iguais e respeito a todos. E o personagem tem um outro entendimento, absolutamente diverso do meu."

O ator se diz otimista com relação Ă  forma como tipos como o personagem tĂȘm sido percebidos na sociedade. "Acho que a gente caminha para que homens assim tenham menos espaço, sejam menos valorizados e tenham menos força", afirma. "Ainda bem."

Ele tambĂ©m acredita no papel da dramaturgia em trazer esse tipo de discussĂŁo Ă  tona, seja em 2003 ou em 2022. "Na verdade, esse Ă© o princĂ­pio de quase todo artista, pelo menos foi o meu", conta. "Eu acredito, por experiĂȘncia prĂłpria, que o entendimento pode vir atravĂ©s da palavra, atravĂ©s do outro, mas a transformação do indivĂ­duo, para mim, sĂł vem atravĂ©s da arte."

"FILHAS DE EVA"

Quando: Estreia 12/7, Ă s 22h35

Onde: Na Globo

Classificação: 14 anos

Elenco: Renata Sorrah, Giovanna Antonelli, Vanessa Giåcomo, Dan Stulbach e Débora Ozório, entre outros.

Direção: Leonardo Nogueira

Criação e Roteiro: Adriana Falcão, JÎ Abdu, Martha Mendonça e Nelito Fernandes

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