Corpo magro volta aos holofotes; qual o peso disso?
Esta matĂ©ria nĂŁo Ă© uma crĂtica Ă s famosas. Ă importante frisar isso logo de cara para que a discussĂŁo proposta aqui nĂŁo esbarre no direito de termos o corpo que quisermos â embora muitos nĂŁo tenham o corpo que querem por questĂ”es como biĂłtipo incompatĂvel e falta de acesso a um acompanhamento profissional. Dito isso, Ă© notĂĄvel que Anitta, Bruna Marquezine, Kim Kardashian e outras grandes referĂȘncias de beleza e estilo da atualidade nunca estiveram tĂŁo magras. O âpadrĂŁoâ definitivamente foi atualizado. De novo.
"Ao longo do tempo, muitas foram as formas femininas consideradas perfeitas. AtĂ© o sĂ©culo XIX, as mulheres gordas eram sĂmbolo de saĂșde e fartura. A partir da Belle Ăpoque, lĂĄ pelos anos 1910, 1920, isso começa a mudar porque elas passam a integrar o mundo do trabalho e a precisar de corpos mais leves, digamos assim. A moda acompanha esse movimento, por exemplo, com a estĂ©tica das Melindrosas [peças mais leves e fluidas] e os tubinhos, que evidenciam essa nova silhueta", explica a historiadora Mary Del Priore, uma das autoras do livro "HistĂłria do Corpo no Brasil" (Editora Unesp).
"Podemos citar tambĂ©m a ascensĂŁo da ginĂĄstica feminina, a influĂȘncia das estrelas do cinema norte-americano, mais curvilĂneas embora magras, o sucesso de modelos internacionais como a Twiggy, que na dĂ©cada de 1960 colocou a magreza extrema em voga. Enfim, sĂŁo diversos os fatores que influenciam os chamados padrĂ”es de beleza", completa Mary.
Nesse sentido, destaca-se ainda a popularidade da boneca Barbie, das assistentes de palco musculosas de programas de televisĂŁo como o extinto "PĂąnico na TV" e das irmĂŁs Kardashian-Jenner, Jennifer Lopez e outras bombshells (expressĂŁo equivalente a "sĂmbolo sexual" nos Estados Unidos).
Ser magra estĂĄ na moda
Anitta, Bruna, Kim e vĂĄrias celebridades que passaram por esse tipo de mudança de imagem recentemente tratam o novo shape como consequĂȘncia de uma alimentação mais equilibrada, um estilo de vida mais saudĂĄvel â seja por algum diagnĂłstico ou simplesmente para ter mais disposição no dia a dia. PorĂ©m, coincidentemente, todas estĂŁo cada vez mais envolvidas no circuito da moda de luxo internacional, que ainda venera o corpo esguio.
"AlĂ©m da padronização dos corpos das modelos, pensada para tornar os desfiles mais prĂĄticos, o corpo magro, alongado, ainda Ă© muito associado ao elegante. O corpo mais curvilĂneo, por sua vez, ainda Ă© muito associado Ă sexualidade por causa do machismo, do preconceito de classe. A mesma microssaia pode ser vista como chique ou vulgar dependendo de quem a veste", diz MaĂra Zimmermann, historiadora de moda e professora da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Outra tendĂȘncia que impulsionou a magreza nos Ășltimos meses foi o Y2K (resgate da estĂ©tica que marcou o inĂcio dos anos 2000), especialmente pela volta das peças de cintura bem baixa, muito usadas por Britney Spears, Paris Hilton e os demais Ăcones da Ă©poca â vale lembrar que, assim como na dĂ©cada de 1990, pouco ou nada se falava sobre diversidade de corpos e outros debates que, felizmente, sĂŁo comuns hoje em dia.
"Pelo nĂvel de exposição Ă imagem em que vivemos, Ă© impossĂvel nĂŁo ver e ser influenciado por esse e outros movimentos", pontua MaĂra.
Block na pressão estética
A psicĂłloga RogĂ©ria Taragano, colaboradora do AmbulatĂłrio de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das ClĂnicas de SĂŁo Paulo, ressalta o efeito possivelmente desastroso entre os jovens. "Muitos dos milhĂ”es de seguidores dessas famosas sĂŁo, sim, mais vulnerĂĄveis a questĂ”es de autoimagem e, consequentemente, serĂŁo afetados pela aparĂȘncia delas porque isso estimula, mesmo que indiretamente, uma comparação seletiva, parcial e, portanto, injusta se pensarmos que, alĂ©m dos nossos hĂĄbitos, hĂĄ uma carga genĂ©tica importante por trĂĄs do nosso peso, da nossa estrutura fĂsica", avalia a profissional.
"HĂĄ estudos indicando que entre 40% e 70% das adolescentes apresentam alguma insatisfação com duas ou mais partes do corpo, 50% a 80% gostariam de ser mais magras e entre 20% e 60% relatam dietas super-restritivas. Baixa autoestima, percepção de inadequação, sintomas de ansiedade e depressĂŁo, isolamento social e o desenvolvimento de transtornos alimentares sĂŁo algumas das consequĂȘncias frequentes", emenda a especialista.
Nesse cenĂĄrio, o ideal Ă© trabalhar a anĂĄlise crĂtica com relação a quem seguir, refletir como o conteĂșdo oferecido por essas pessoas nos afeta e, se for caso, buscar outras referĂȘncias e/ou reduzir o tempo em frente Ă s telas. "O lado positivo desse tipo de influĂȘncia, para mim, Ă© quando as prĂłprias celebridades comentam sobre a pressĂŁo estĂ©tica que sofrem e mostram que tambĂ©m tĂȘm 'imperfeiçÔes', algo que, felizmente, estĂĄ acontecendo com cada vez mais frequĂȘncia", conclui RogĂ©ria.