Comparada com Lady Gaga, música de Beyoncé resgata origens negras da house music
"Break My Soul", novo single de Beyoncé, acabou causando uma polêmica inesperada nas redes sociais quando fãs compararam a batida da faixa, que resgata influências da house music, com a pegada dance do álbum mais recente de Lady Gaga, "Chromatica".
No Twitter, muitos comentários reclamam que "Break My Soul" é uma cópia "malfeita" das músicas de Gaga, e que a faixa traz elementos genéricos de dance music que não fazem sentido em relação à carreira de Beyoncé.
Os gays tavam falando tanto de Chromatica, falando que era dance e genérico e tals, e agora a música da beyoncé parece um descarte do Chromatica, morrendo pic.twitter.com/QjBO8IJXMp
— Haus Of C✨ (@Chromaticasi) June 21, 2022
eu tô passando mal com os fãs da beyoncé sendo obrigados a excluir tweets chamando o chromatica de house datado para gays brancos da the week KKKKKKKKKKKKK pic.twitter.com/3RGd8a6I6F
— gi (@Iadyst4rdust) June 21, 2022
vai ser engraçado a hipocrisia de algumas b1ch4s que chamaram o Chromatica de datado, Summer Eletrohits ou outras coisas pra menosprezar a Gaga só porque era house music, e agora a Beyoncé lançando algo do mesmo gênero, certeza que vão aclamar kkkk pic.twitter.com/TLWqNwZDeL
— LEO (@leothisway) June 21, 2022
A concepção de que house music é algo recente, entretanto, não só não faz sentido como é um apagamento das origens negras do estilo. Lady Gaga não inventou os elementos utilizados em "Chromatica", e praticamente toda a música pop dos últimos anos resgata influências de gêneros fundamentalmente negros como o rock, house, a disco e o techno.
A house music veio da cultura negra
Assim como o rock ficou conhecido a partir de Elvis Presley mas na verdade é um gênero que surgiu a partir de ritmos negros como blues e R&B, a house music surgiu nos anos 70 a partir de DJs e produtores experimentais de comunidades marginalizadas.
Mesclando de elementos de funk, soul, disco e batidas sintetizadas, a house começou em Nova Iorque em meio à efervescente cena cultural incentivada por movimentos como a revolta de Stonewall, marco de direitos sociais para a comunidade LGBTQIAP+ dos EUA.
Em 1970, o DJ David Mancuso criou a festa privada The Loft, na qual só era possível entrar com convite. Os convidados, em sua maioria pessoas pretas, LGBTQIAP+ e latinas, dançavam ao som de ritmos como R&B, soul e rock psicodélico, e o local foi inspiração para o club The Loft, festa que trouxe ritmos underground para a pista. O DJ e produtor Larry Levan, convidado do The Loft, foi um dos veteranos responsáveis pela popularização da house music em festas como o The Loft e o Paradise Garage, tocando para plateias pretas e LGBTQIAP+.
Frankie Knuckles, outro veterano da house music, também desempenhou um papel crucial na popularização do gênero, produzindo artistas como Whitney Houston, Michael Jackson e Depeche Mode. Em 1983, ele abriu seu próprio clube "Power Plant", voltado especificamente para dar à população preta e marginalizada um lugar para dançar e celebrar suas origens. Essa mesma cultura possibilitou a criação dos balrooms, locais protagonizados por pessoas pretas que trouxeram influências culturais inéditas mais tarde apropriadas por artistas brancas como Madonna.
"Move Your Body"
The Godfather of House Music, Frankie Knuckles (Ft. Marshall Jefferson)
1990 pic.twitter.com/RubYMOq8kq— Freshnotronic (@Freshnotronic) June 21, 2022
Após o surgimento da house music, gravadoras como a Trax Records e a DJ International Records investiram pesado na divulgação de faixas como “Music Is The Key” de JM Silk e "Love Can’t Turn Around", hit de Farley 'Jackmaster' Funk e Jessie Saunders que atingiu o topo das paradas britânicas e norte-americanas. Nos anos seguintes, o gênero chegou à Europa com diversas festas e raves underground, além de clubes como Shroom, em Londres, e o famoso The Haçienda, comandado pela banda New Order, em Manchester. Com a popularização do gênero pelo mundo, a sonoridade vinda da black music começou a ser neutralizada aos poucos, tornando as músicas mais genéricas e fáceis de serem vendidas para DJs e produtores que faziam música eletrônica voltada para pessoas brancas e de maior poder aquisitivo.
"Break My Soul" não é uma cópia de "Chromatica"
"Break My Soul" é uma homenagem de Beyoncé a toda essa cultura preta que trouxe a house music para o mainstream. Em entrevista alguns meses antes do lançamento de "Chromatica", Lady Gaga se posicionou contra a cultura de apagamento das origens negras da música, especialmente quando falamos de pop e música eletrônica. "Todos nós que nascemos nos EUA bebemos do veneno que é a supremacia branca. Toda música na verdade é música negra, isso é um fato".
Ao lançar "Chromatica", Lady Gaga fez uma playlist com as influências que teve ao trabalhar na unidade do álbum, e um dos artistas citados foi Frankie Knuckles, pai da disco music e DJ e produtor preto.