BBB23: Paula descobriu que é negra aos 28 anos — e isso é mais comum do que parece

Sister disse que só entendeu identidade dentro do reality, ao conviver entre outros participantes negros

Paula no BBB23. Foto: Paulo Belote/Globo
Paula no BBB23. Foto: Paulo Belote/Globo

Horas antes de ser eliminada do BBB23, às vésperas do Carnaval, a participante Paula Freitas esteve no centro de conversas importantes sobre identificação racial. Ela revelou que só entendeu que é uma mulher negra agora, aos 28 anos, ao participar do programa.

Isso aconteceu durante uma conversa com Ricardo e Fred Nicácio, no último dia 14. Quando o médico afirmou que “vários pretos descobrem que são pretos na faculdade”, Paula disse: "Eu descobri aqui no Big Brother".

Ela contou que sua fica só caiu quando Fred reuniu todos os negros da casa para tirar uma foto, inclusive ela. Veja o clique:

Nas redes sociais, algumas pessoas questionaram como é possível entender a própria identidade racial apenas aos 28 anos – mas essa é uma realidade bastante comum, especialmente para negros de pele clara.

No livro “Quando Me Descobri Negra” (ed. Sesi-SP, 2015), a jornalista Bianca Santana relata que, embora tivesse 30 anos à altura da publicação, era negra “há apenas dez”. E explica:

“Antes, era morena. Para as professoras do colégio católico, para os coleguinhas – que talvez não tomassem tanto sol – e para toda a família que nunca gostou do assunto”.

Toda essa dúvida acerca do tom da pele e o que ele significa é fruto de um apagamento de pessoas racializadas de pele mais clara – que não se sentem pertencentes a nenhum grupo, já que são "brancas demais” para serem negras e “negras demais” para serem brancas.

Trata-se de um não-lugar, que os coloca em eterno conflito com a ancestralidade, com a cor da pele, o formato do rosto e a textura do cabelo.

O próprio Ricardo, que também é negro, contou que só entendeu isso quando foi estudar em uma universidade púlica: "Eu não tinha essa visão. Eu fiz faculdade particular, com pouquíssimos pretos. Quando você vai pra universidade pública, além de aula, tem movimentos [sociais] dentro da faculdade".

Mais à frente no livro, a autora Bianca Santana conta que a ascensão social da família e o medo das violências racistas recorrentes no Brasil ajudaram a “branquear” sua identidade, resgatada apenas na vida adulta, em contato com outras pessoas negras.

E, de fato, o meio em que estamos inseridos influencia muito a nossa leitura racial – se frequentamos espaços com mais ou menos negros, por exemplo. Mas nada disso os impede de ser alvo de diferentes tipos de racismo.

O que acontece é que, muitas vezes, apenas quando a ficha cai – no caso de Paula, aos 28 anos – se entende que determinadas situações vividas foram permeadas por racismo.

Ela lembrou, por exemplo, que quando era criança ouviu que não poderia ser a noiva da quadrilha porque a noiva precisava ter olhos claros e ser loira. “Uma negra do 'cabelo ruim' não poderia ser a 'noiva' da quadrilha", desabafou.

Alguns dias antes, Paula disse que, no Big Brother, funcionam “dois pesos e duas medidas” – ela não relacionou este incômodo com o fato de ser negra, mas o público fez essa relação imediatamente.

“O Alface ser explosivo, é motivo de briga. Mas a Bruna ser explosiva, não é. Ela não gostar de lavar louça, é engraçado. Eu não lavar, é jogo da discórdia”, falou, comparando o comportamento de Bruna Griphao, que é branca, ao seu e de Ricardo, ambos negros.

“Eu não ando com negrômetro”

Em outro momento do programa, enquanto Paula conversava com Fred e Guimê, o médico explicou aos colegas o termo “pardo” e a classificação do IBGE, e afirmou que “não anda com negrômetro”, ou seja, deixou claro que não cabe a ele definir quem é negro e quem é branco, pois trata-se de uma autodeclaração.

Vale a pena assistir (e aprender)!