Aumento nas contas de água leva a salto de reclamações, e consumidores vão à Justiça

Neste verão, o aumento nas contas de água voltou a ser alvo de reclamações dos consumidores, após uma nova leva de troca de hidrômetros por modelos mais modernos. Em alguns casos, o valor da fatura mais que dobrou e há muitos consumidores recorrendo à Justiça.

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No Procon Estadual do Rio de Janeiro (Procon-RJ), o crescimento no número de queixas contra a concessionária Águas do Rio é de 564%, comparado ao início de 2022. A alta levou a empresa a ser notificada pela autarquia, na última sexta-feira, a prestar esclarecimentos.

—Caso seja identificando que efetivamente está havendo violação reiterada do direito consumidor, um processo administrativo poderá ser aberto — adianta Cássio Coelho, presidente do Procon-RJ.

A maior sensibilidade dos hidrômetros digitais, dizem especialistas, realmente pode justificar o aumento da conta. As queixas, no entanto, vão além. Há contestações de valores feitos por estimativa, sem a verificação do medidor e por multas aplicadas sob alegação de fraude do hidrômetro negada pelos consumidores.

Antônio Gomes, de 68 anos, síndico de um condomínio no Cachambi, na Zona Norte da capital fluminense, viu a conta mais que triplicar no período de um ano. Em janeiro de 2022, após a primeira troca de hidrômetro, a fatura saltou de R$ 5.500 para cerca de R$ 9 mil. Em dezembro, outro susto com a fatura de R$ 19 mil.

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— O preço está compatível com o indicativo de consumo (na fatura), mas não é possível que o consumo (do condomínio) seja tão alto e que tenha começado a subir justamente com o hidrômetro novo — argumenta Gomes.

Desgaste do aparelho

No início de 2022, o consumo mensal do edifício inteiro estava entre 560 e 600 metros cúbicos de água. Agora, o gasto está em quase mil metros cúbicos. Toda a área do prédio foi vistoriada e não há vazamentos, destaca o síndico:

—Mesmo considerando o calor, a diferença de consumo por conta do verão está mais alta do que em anos anteriores.

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De acordo com a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), há reclamações de condomínios de todos os cantos do Rio sobre a conta.

— O hidrômetro digital tem um funcionamento mais sensível do que o hidrômetro analógico e pode chegar a medir o ar que passa pela tubulação—diz Marcelo Borges, diretor de Condomínio e Locações da Abadi.

O entendimento da Associação Brasileira de Engenharia Hídrica (Abreh) é de que o aumento das contas logo após as substituições de hidrômetros é um fenômeno comum, justificado pelo desgaste que aparelhos medidores têm com o tempo.

Em nota, a associação explica que a substituição por um medidor novo garante maior precisão na aferição do volume de água consumido. Mas, alerta que há exceções, onde a alta do consumo é maior do que a esperada e que necessita de verificação, como de vazamentos.

O problema da aposentada Marly Azeredo, de 82 anos, moradora de Nova Iguaçu, é outro. A sua conta se multiplicou por dez, apesar de o hidrômetro ser o mesmo. As faturas costumavam vir na faixa dos R$ 144, mas, na referente a outubro, o valor foi de R$ 1.307.

— Fui até a Águas do Rio para entender, e me disseram que o total era a diferença do consumo de um ano, como um valor retroativo. Segundo a empresa, eles cobraram por média durante todo esse período. No entanto, não houve vistoria, nada — se queixa Marly.

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‘Tempestade perfeita”

O engenheiro mecânico e perito judicial Eduardo Figueira atende cerca de 150 pessoas com problemas relacionados a contas de água e que moveram ações na Justiça. Na sua avaliação, o Estado do Rio vive a chamada “tempestade perfeita”.

Primeiro, porque a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio (Agenersa) determinou um aumento tarifário de 11,82% a partir do dia 8 de outubro de 2022.

Além disso, Figueira alega que as concessionárias de água do estado têm usado uma fórmula matemática que considera o número de “economias”, ou seja, a quantidade de apartamentos em um prédio residencial para o cálculo da conta d’água e não o consumo marcado pelo hidrômetro, o que pode aumentar o valor da fatura.

— A legislação é muito clara, só tem duas formas de cálculo: pelo hidrômetro instalado e pela estimativa para quem não tem o equipamento. O que está acontecendo é diferente, é o cálculo arbitrado — explica o perito judicial.

Figueira lembra ainda que esse tipo de cobrança com base nas “economias” já vinha sendo feito. As novas concessionárias Águas do Rio, Iguá e Rio Mais Saneamento mantiveram esse modelo, mesmo nos imóveis cujos donos já tinham acionado a Justiça.

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Ainda de acordo com ele, as três empresas apresentaram em conjunto uma nova proposta de regulamento para a cobrança com base no número de imóveis do condomínio. O novo documento já foi homologado pelo governador Cláudio Castro (PL).

Uma manifestação da Defensoria Pública do Estado do Rio enviada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirma que esse tipo de cobrança é flagrantemente ilegal. Como argumento, é apresentada uma decisão do próprio STJ, que diz não ser lícito esse tipo de cobrança em condomínios com hidrômetro.

— O debate é pautado em uma decisão judicial, segundo a qual não se pode aferir o consumo por estimativa, e está no STJ — destaca Eduardo Chow, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio.

Outro ponto importante, segundo Eduardo Figueira, é que as faixas de consumo de água e as respectivas tarifas são diferentes para casas e prédios. Em um casa, a mudança de faixa, mesmo por meros cinco metros cúbicos, pode levar a dobrar a conta. No caso dos edifícios, a tabela escalonada de faixas de consumo é mais ampla.

—No entanto, há casos de condomínios que estão sendo equiparados a moradias individuais. Isso leva a fatura subir muito e rapidamente, pois a tabela de consumo e tarifa é outra— explica.

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O que dizem as empresas

Procurada, a Águas do Rio afirmou que os hidrômetros medem o real consumo de água para a cobrança, considerando as diferentes categorias de usuários e tarifas estabelecidas pela Agenersa. A empresa explicou ainda que a aplicação de multa ocorre quando há descumprimento do que prevê o contrato.

A Iguá informa realizar a cobrança obedecendo à estrutura tarifária definida pela Agenersa e de acordo com a categoria em que o imóvel é cadastrado (domiciliar, comercial, industrial ou pública). E afirma que “não há qualquer aumento de tarifa em decorrência da troca de hidrômetro”.

Procuradas a RioMais Saneamento e a Agenersa não responderam até o fechamento desta edição.