'Anéis de Poder': como ansiedade, hate e Amazon moldaram a complicada 1ª temporada
Quando o primeiro Senhor dos Anéis chegou aos cinemas, as suspeitas eram imensas. O diretor era desconhecido, a obra era considerada infilmável e o orçamento era astronômico. O cenário é bem parecido com o que precedeu a série "Anéis de Poder", outra adaptação da obra de JRR Tolkien, ainda que a repercussão após o fim da primeira temporada seja diferente da consagração da trilogia de Peter Jackson.
A estreia do seriado, considerado o mais caro de todos os tempos, foi envolta em polêmicas. Os produtores apresentaram um elfo negro, a protagonista é a elfa Galadriel, a linha do tempo foi modificada e, devido aos direitos autorais, nada do mundo criado por Peter Jackson foi citado. Entre discussões acaloradas sobre tais questões e os bons números de audiência, a Amazon viu pela primeira vez a ansiedade, o amor e o ódio de uma base de fãs abraçar uma produção no Prime Vídeo.
O elfo negro e o racismo velado
Tolkien nunca disse que não existiam elfos negros. Sequer afirmou que as orelhas deles eram pontudas ou que existiam somente elfos loiros e sem barba. Acontece que, como toda adaptação, Anéis de Poder sofreu um ataque de fãs conservadores muito antes de estrear - e uma parte deles não se envergonhou de tecer comentários racistas por um elfo, um ser mitológico, ter cor de pele diferente da branquitude. Isso influenciou negativamente a recepção da série, que sofreu os tais "review bombs", quando ondas de usuários raivosos e preconceituosos atacam sites de avaliação para destruir a reputação de alguma produção. Capitã Marvel, A Pequena Sereia, Prey - A Caçada e vários outros filmes e séries sofreram a mesma coisa. O motivo? Adaptações. Não qualidade, adaptações.
No fim das contas, Arondir, o elfo de pele preta, se tornou um dos personagens mais interessantes da série, ainda que tenha (assim como todos os núcleos) problemas evidentes na construção narrativa. Ele representa uma casta diferente dos elfos, uma selvagem e guerreira, e dentro desta camada ele se torna um ser altivo e habilidoso que procura por um amor terreno em uma humana. Nada é gratuito, nada é panfletário. E por mais que a história tenha problemas sérios, nenhum deles está no quesito adaptação. Logo, fica evidente mais uma vez como a fonte das reclamações é o racismo velado da internet atual.
Galadriel e a jornada de série no streaming
O mesmo aconteceu com Galadriel, mas em outra proporção. A ousadia (calculada) da Amazon em colocar a elfa como protagonista trouxe inúmeros problemas semelhantes ao de Arondir. "Galadriel nunca foi guerreira", algo desmentido por todos os especialistas em Tolkien, foi a mesma falácia usada por uma parte dos fãs que simplesmente não aceitavam uma mulher no papel principal, por mais barulho que fizessem. O curioso é que, no fim das contas, apesar dos tropeços da produção, Galadriel foi um dos grandes acertos do roteiro - uma personagem que tem uma jornada bem executada e montada para que se encaixe nas prometidas próximas quatro temporadas.
Nesta visão, a protagonista é o símbolo de tudo que a Amazon passou neste lançamento. Seja no visual e na adaptação, que são impecáveis mas polêmicos, respectivamente; seja na história cheia de altos e baixos, mas lotada de aprendizados. Galadriel, no fim da primeira temporada, entende que sua obsessão em seguir um vilão a desvia da rota do bem e a faz ser confundida com o inimigo que tenta combater. Isso é justamente o que a Amazon não pode fazer, pois se seguir obcecada em perseguir o que o fã pede, ela não entregará o que é pedido, pois ele nunca está satisfeito. Que siga, com erros e acertos, pelo caminho de criar uma história relevante e coerente, que se entregue aos personagens e suas mensagens, mais do que aos anseios de uma internet volúvel e raivosa.